STJ - Os limites para pais e filhos na hora de se divertir		
	
“Cineminha com o filho vai parar na  Justiça.” O que poderia parecer o título de uma notícia absurda, na  verdade, reflete situações concretas e serve como alerta importante para  os pais na tão difícil missão de criar os filhos. 
E não só vai  parar na Justiça. A questão é séria o bastante para que seja examinada  em duplo grau de jurisdição, com recurso para tribunal superior, como é o  caso dos muitos que chegam ao STJ. “Os genitores têm direito de  conduzir a educação de seus filhos segundo os preceitos morais,  religiosos, científicos e sociais que considerem adequados”, assinala a  ministra Nancy Andrighi, em um deles (REsp 1.072.035). 
Segundo  consta do processo, o pai, magistrado, e o filho, de nove anos, pediram,  em ação, indenização por danos morais, após serem retirados de sala de  exibição, onde pretendiam assistir ao filme “Desafio radical”, impróprio  para a idade do filho. Em primeira instância, a United Cinemas  International Brasil Ltda. foi condenada a pagar R$ 8 mil para cada um. A  apelação interposta por pai e filho foi parcialmente provida pelo  Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), apenas para aumentar o  valor do pai para 15 mil reais. A apelação da empresa foi desprovida. 
A  United recorreu, então, ao STJ, afirmando ter agido em estrito  cumprimento do dever legal, pois está sujeita a multas administrativas  caso venha a exibir filme classificado pelo órgão competente como  inadequado a crianças ou adolescentes, tendo a decisão do TJRJ violado o  artigo 535 do Código de Processo Civil (CPC); os artigos 188, I, do  Código Civil (CC/02), e os artigos 74, 75, 76, 255 e 258 do Estatuto da  Criança e do Adolescente (ECA). 
Sustentou, também, ofensa aos  artigos 4º e 5º da LICC, 165 e 458 do CPC e 944 do CC/02, pois os danos  morais foram fixados em excesso, além de ofensa à Portaria 796, de 8 de  setembro de 2000, do Ministério da Justiça, e divergência de  entendimento em relação a outros casos julgados pelo STJ. 
Em  decisão unânime, a Terceira Turma deu provimento ao recurso da empresa,  entendendo que o reconhecimento da liberdade de educação a ser dada  pelos pais não significa admitir que ela seja irrestrita ou ilimitada.  “Para além de um direito dos pais, a educação dos filhos é um dever que a  legislação impõe”, ressalvou a relatora, ao mencionar o disposto no  artigo 205 da Constituição, que estabelece ser a educação dever do  Estado e da família, devendo visar ao pleno desenvolvimento da pessoa. 
Dignidade
Segundo  lembrou a ministra, os filhos não são meros objetos da educação, mas  seus sujeitos protagonistas e, por isso, o processo de desenvolvimento  deve respeitar-lhes a individualidade, dignificando-os. “Conquanto os  pais tenham o natural desejo de que seus filhos superem os mais variados  limites e, de certa forma, realizem aquilo que nunca puderam ou que  tiveram dificuldade de realizar, é certo que o filho menor tem suas  próprias preferências e gostos”, observou. “Assim, de forma genérica,  pode-se dizer que o primeiro limite da liberdade educacional reconhecida  aos pais é a dignidade dos filhos”, acentuou. 
Ao dar provimento  ao recurso da United, a ministra afirmou que, se o estabelecimento  tinha razões para acreditar que estava sujeito a severas sanções, era  justo que impedisse a entrada dos recorridos em suas salas de cinema. Os  fatos que deram início ao processo ocorreram em 15 de fevereiro de  2003, durante a vigência da Portaria 796/00, do Ministério da Justiça. O  documento apenas enquadrava os espetáculos em cinco faixas distintas, a  saber: livres ou inadequados para menores de 12, 14, 16 e 18 anos. Além  disso, regulava o procedimento de classificação, impondo normas  específicas para a sua divulgação. 
“Do texto da Portaria 796/00  não se extrai qualquer norma que indicasse a flexibilização da  classificação a pedido dos pais ou responsáveis”, afirmou a ministra, em  seu voto. “Diante desse contexto, havia motivos para crer que a  classificação era impositiva, pois o artigo 255 do ECA estabelecia  sanções administrativas severas a quem exibisse ‘filme, trailer, peça,  amostra ou congênere classificado pelo órgão competente como inadequado  às crianças ou adolescentes admitidos ao espetáculo’”, asseverou. 
Com  a entrada em vigor da Portaria 1.100 do Ministério da Justiça, em 14 de  julho de 2006 – acrescentou a ministra –, um segundo papel da  classificação ficou mais claro e visível. Em primeiro lugar, o artigo 18  estabeleceu que a informação detalhada sobre o conteúdo da diversão  pública e sua respectiva faixa etária é meramente indicativa aos pais e  responsáveis que, no regular exercício de sua responsabilidade, podem  decidir sobre o acesso de seus filhos, tutelados ou curatelados, a obras  ou espetáculos cuja classificação indicativa seja superior a sua faixa  etária. 
“Ao assim dispor, reforçou-se o papel indicativo da  classificação, esclarecendo que os pais, mediante autorização escrita,  podem autorizar o acesso de suas crianças ou adolescentes à diversão ou  espetáculo cuja classificação indicativa seja superior à faixa etária  destes, desde que acompanhadas por eles ou terceiros expressamente  autorizados”, lembrou. O estabelecimento empresarial reterá a  autorização expedida pelos pais e, com isso, assegura-se que sua conduta  não será enquadrada em alguma infração administrativa. 
A  ministra ressalvou, no entanto, que o artigo 19 da portaria também  frisou que a autonomia dos pais não é tão larga a ponto de autorizar  entrada de seus filhos menores em estabelecimento que exponha ao público  espetáculo cuja classificação seja proibida para menores de 18 anos. 
Segundo  observou, o ECA não se satisfaz com a simples tarefa de indicar os  meios legais para que se reparem os danos causados a este ou aquele bem  jurídico, mas pretende, antes de tudo, prevenir a ocorrência de lesão  aos direitos que assegurou. “Foi com intuito de criar especial prevenção  à criança e ao adolescente que o legislador impôs ao poder público o  dever de regular as diversões e espetáculos públicos, classificando-os  por faixas etárias”, afirmou. 
“Assim”, completou a ministra, “a  classificação é indicativa porque os responsáveis pelas diversões e  espetáculos públicos deverão afixar, em lugar visível e de fácil acesso,  à entrada do local de exibição, informação destacada sobre a natureza  do espetáculo e a faixa etária especificada no certificado de  classificação (artigo 74, parágrafo único, do ECA).” 
Ao dar  provimento ao recurso, ela afirmou, também, que não seria razoável  exigir que o estabelecimento, à época, interpretasse o artigo 255 do  ECA, para concluir que poderia eximir-se de sanção administrativa se  crianças e adolescentes estivessem em exibições impróprias, mas  acompanhados de seus pais ou responsáveis, o que não ocorre. “Por tudo  isso, a conduta do recorrente, diante de um cenário de lacuna  regulamentar, revelou prudência e atenção ao princípio da prevenção  especial, tomando as cautelas necessárias para evitar potenciais danos a  crianças e adolescentes”, concluiu Nancy Andrighi. 
Responsáveis e autorização
Em  outro processo (REsp 902.657), uma casa noturna foi condenada a pagar  multa por desobediência aos artigos 149 e 258 do Estatuto da Criança e  do Adolescente, por permitir menores acompanhadas da tia em show  impróprio para a idade delas. Nas alegações de seu recurso, a empresa  afirmou que a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte  (TJRN), que havia confirmado a sentença, ofendeu o 149, I, "b", do ECA. 
“A  autorização judicial, mediante alvará, só é exigível quando o  público-alvo incluir crianças ou adolescentes desacompanhados dos pais  ou responsáveis, o que não é o caso", afirmou a defesa da Shock  Produções Artísticas Ltda. “As menores estavam acompanhadas de uma  responsável, não podendo o órgão julgador interpretar restritivamente o  significado da palavra 'responsável' de forma a reduzir este conceito  aos institutos civis da tutela e curatela, deixando à margem a figura de  familiares que às vezes exercem funções típicas de pais e mães”,  argumentou. 
A condenação foi mantida pela Primeira Turma, que  negou provimento ao recurso especial. “A recorrente foi autuada por  permitir a entrada e permanência de menores desacompanhados de seus pais  ou responsável legal em estabelecimento dançante de sua propriedade,  sem se preocupar em requerer o necessário alvará ou portaria judicial  disciplinadores do acesso de criança ou adolescente”, afirmou o relator,  ministro Teori Albino Zavascki, ao votar. “Saliente-se que a norma não  comporta interpretação extensiva, de modo que o acompanhamento por tia  não atende à exigência legal”, asseverou. 
Ao julgar outro  processo (RMS 10.226), a Primeira Turma manteve decisão que impediu o  acesso de menores em danceteria, com venda de bebida alcoólica, sem  carteira expedida pelo juiz da Infância e da Juventude, em Minas Gerais.  A carteira objetiva impedir a entrada de menores que praticaram atos  infracionais, para a proteção de outros que nada fizeram de antissocial.  
“Se os menores têm encontrado dificuldade em lograr a  identificação necessária e especial, porque especial também o motivo,  essa possibilidade vem demonstrar a cautela da autoridade reputada  coatora em deitar a mão vigilante sobre os seus jurisdicionados, podendo  impor condições à manutenção da respectiva identificação, e nem se  afrontou a Constituição e as leis”, afirmou o ministro Francisco Falcão,  relator do caso, em seu voto. 
No REsp 636.460, a empresa  responsável por um espetáculo, que permitiu a entrada de menores  desacompanhados, e a administração da cidade-satélite de Planaltina  (DF), que cedeu espaço para o show, foram condenados solidariamente. O  Distrito Federal alegou no recurso que não poderia ser condenado como  sujeito ativo das infrações penais, pois, para o cometimento da infração  referida, era necessário que houvesse vontade consciente de não  observar as determinações legais impostas pela legislação pertinente. 
Afirmou,  ainda, ser pacífica a jurisprudência do STJ sobre o assunto, no sentido  de que “a solidariedade prevista pelo Estatuto da Criança e do  Adolescente refere-se àquele que explora comercialmente o  estabelecimento e o organizador do evento”. 
Em seu voto, o  relator, ministro Luiz Fux (hoje no Supremo Tribunal Federal), observou  que ficou provado no processo que a empresa promotora do evento  apresentou pedido de alvará perante a Vara da Infância e Juventude,  sendo certo que, até a data da realização do evento, as exigências  reclamadas pela equipe técnica da vara não haviam sido cumpridas, não  tendo sido expedido o competente alvará. “Nada obstante, o evento  realizou-se, a ele comparecendo menores desacompanhados”, assinalou o  ministro. 
Para ele, é inquestionável que o Distrito Federal, por  sua Administração Regional, conforme disposto no artigo 258 do ECA,  deveria impedir a realização do evento em face da ausência da  autorização da Vara da Infância e Juventude. “Ressoa inequívoca a  responsabilidade solidária da administração pública que, instada a  conferir alvará, e no exercício de seu poder de polícia, não evita a  realização de evento em espaço público, cuja autorização para realização  não se efetivou”, concluiu Fux. 
Protegendo os menores
Uma  boate em Alagoas (AgRg no REsp 864.035) e uma danceteria em Santa  Catarina (REsp 937.748) também foram condenadas pelas mesmas razões:  presença de menores desacompanhadas em lugares impróprios para a idade,  com venda de bebida alcoólica. “Ressoa do artigo 149, I, "d" e parágrafo  2º do ECA que a entrada e permanência de criança ou adolescente,  desacompanhados dos pais ou responsável, em casa que explore  comercialmente diversões eletrônicas, deverá ser punida” – consta de uma  das decisões. 
O artigo 258 do ECA prevê expressamente o  fechamento temporário do estabelecimento, em caso de reincidência,  punição claramente dirigida à pessoa jurídica, sendo suficiente a  demonstração de esta ser a parte legítima para figurar no processo.  Geralmente é o Ministério Público estadual ou o Conselho Tutelar que  pede a condenação. 
Da mesma forma como estão de olhos abertos  para programinhas familiares que podem não ser tão inocentes assim,  esses órgãos responsáveis pela proteção de crianças e adolescentes se  preocupam também com a participação de menores em programas televisivos –  os quais nem sempre podem ser considerados edificantes. 
Multada  após auto de infração lavrado pelo Ministério Público do Rio de  Janeiro, pela violação do artigo 258 do ECA devido à participação de  menores em programa de televisão sem o competente alvará judicial,  vedado pelo artigo 149, II, "a", também do ECA, a TV Globo alegou em  recurso especial (REsp 605.260) que a decisão do Tribunal de Justiça do  Rio de Janeiro (TJRJ) ofendeu o artigo 149, I, "e", pois o caso em  questão foi enquadrado erroneamente no inciso II, "a", do mesmo  dispositivo. 
Segundo a defesa, o inciso II, "a", cuja incidência  foi acolhida pelo tribunal carioca, trata de participação de criança e  adolescente em espetáculos públicos, ao passo que a atividade da empresa  não é a promoção deste tipo de evento, mas de gravações de programas em  estúdio, para veiculação em televisão, nos exatos termos do artigo 149,  I, "e", do ECA, que permite a permanência de criança e adolescente,  nestes casos, acompanhados dos pais ou responsável. 
A empresa  recorreu, mas a Primeira Turma manteve a decisão, afirmando que a  autorização dos representantes legais não supre a falta de alvará  judicial e rende ensejo à multa do artigo 258 do ECA. “Entrada e  permanência em hipótese alguma podem ser tratadas como participação de  menores em programas televisivos”, considerou o ministro Luiz Fux,  relator do caso. 
Para ele, o grande número de espectadores das  novelas atuais induz ao entendimento de que estes programas televisivos  são verdadeiros “espetáculos públicos” – “devendo incidir, portanto, o  disposto no artigo 149, inciso II, ‘a’, conforme entendeu o acórdão  recorrido”, concluiu Fux.