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Exoneração de prestar alimentos - exame de DNA negativo - impossibilidade - Laço socioafetivo entre as partes

Autos nº 2010.004938-8
Numeração única CNJ: 0348384-86.2007.8.04.0001.
Origem: 7ª Vara de Família, Sucessões e Registros Públicos.
Órgao Julgador: Primeira Câmara Cível
Relator: Desembargador Sabino da Silva Marques
Revisor: Desembargador Domingos Jorge Chalub Pereira
Apelante: J. M. de N.
Advogado: dr. Laudenir da Costa Landim
Apelado: M. V. S. de N.
Advogado: dr. Rodrigo Araújo Torres
Procuradora de Justiça: Dra. Maria José da Silva Nazaré
Julgamento: 18/04/2011

EMENTA – APELAÇÃO EM Ação Ordinária Declaratória de Exoneração de Prestação Alimentícia c/c Anulação de Reconhecimento de Paternidade. EXAME DE DNA NEGATIVO. INEXISTÊNCIA PODER FAMILIAR. EXONERAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS. IMPOSSIBILIDADE.

1. Embora inexistente o poder familiar com a quebra do laço parental, a obrigação daí decorrente deve perdurar, porquanto há substrato jurídico a manter o dever de alimentos que é a existência do laço socioafetivo entre as partes.
2. Recurso conhecido e improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 2010.004938-8, de Manaus (AM), em que são partes as acima indicadas, ACORDAM, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores que compõem a Primeira Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, por unanimidade de votos, em harmonia com parecer ministerial, conhecer e negar-lhe o provimento ao presente recurso, nos termos do voto do relator. PUBLIQUE-SE.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, em Manaus/AM, 30 de maio de 2011.

Des. Sabino da Silva Marques

( Relator )

01. RELATÓRIO

01.01. Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto por J. M. DE N., irresignado com a r. sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 7ª Vara de Família e Sucessões da Capital que, nos autos do processo nº 001.07.348384-3 – Ação Ordinária Declaratória de Exoneração de Prestação Alimentícia c/c Anulação de Reconhecimento de Paternidade, ajuizada por M. V. S. DE N, ora Apelado, julgou parcialmente procedente pedido, para declarar o reconhecimento da inexistência de vínculo biológico entre os indicados requerente e requerido.

01.02. Alega o Apelante, que ajuizou a Ação de Exoneração de Prestação Alimentícia c/c Anulação do Reconhecimento de Paternidade, e que após a audiência para coleta de sangue dos envolvidos, o resultado foi que o Apelado não era seu filho.

01.03. Diz que o Apelado contestou a ação, requerendo a manutenção da sua obrigação, com o argumento do vínculo socioafetivo. Em seguida, foi apresentada réplica à contestação, reforçando os argumentos táticos e jurídicos, com apoio no exame que comprovava todo o alegado. E que, após isto, o juízo a quo prolatou a sentença acompanhando o parecer ministerial.

01.04. Destaca que a comprovação taxativa de que não é o pai biológico do menino, impõe o afastamento de sua responsabilidade, inclusive a sua exclusão do registro da criança, bem como a devolução de um imóvel à sua pessoa e, em caso de ter sido vendido, a restituição do valor.

01.05. Sustenta, dessa forma, que deveria o juízo a quo decidir pela sua total isenção quanto à paternidade, ficando a cargo da representante do Apelado esta obrigação.

01.06. Ante isto, requer seja o presente apelo conhecido e provido, julgando a negatória de paternidade totalmente procedente. E, caso assim não se entenda, seja mantido o seu nome no registro, excluindo-se todo e qualquer direito sucessório do menor, bem como excluídas todas as suas responsabilidades quanto aos alimentos, julgando o feito parcialmente procedente e, por fim, seja ainda o Apelado condenado nas custas processuais e honorários na base de 20%.

01.07. Devidamente intimado, o apelado apresentou contrarrazões às fls. 123/129, alegando que improcede o pedido de reforma da r. sentença.

01.08. Afirma que ficou demonstrado que o apelante sempre desconfiou não ser seu filho biológico, porém, mesmo assim, assumiu espontaneamente a condição de pai, desde o nascimento até a presente data, não restando dúvidas que o apelante construiu ao longo desse período uma relação de pai e filho consigo.

01.09. Aduz, diante disto, que ocorreu filiação socioafetiva, porquanto preenche todos os requisitos necessários para a sua caracterização: o nome do pai, pois foi registrado por este, sem ser induzido a erro e sem falsidade no registro; o tratamento, pois ambos se tratam como pai e filho; a fama, sendo esta provada através de depoimento pessoal do apelante e seu, visto que todos os conhecem como pai e filho.

01.10. Diz, também, que o apelante tenta se esquivar das obrigações alimentares, porém a exoneração da obrigação alimentar não merece maiores considerações, tendo em vista que se mantendo o parentesco entre as partes, o apelante continuará responsável pelo pagamento de alimentos em seu favor, consoante entendimento da jurisprudência pátria.

01.11. Quanto ao imóvel, informa que foi vendido por sua genitora, a fim de financiar o tratamento da mesma, pois sofre de problemas cardíacos, cuja venda teve o consentimento do apelante.

01.12. Sustenta, no que se refere à condenação de honorários advocatícios, que não prospera as suas alegações, conforme o teor do art. 11, da Lei nº. 1.060/50, art. 20, do Código de Processo Civil e Súmula 450 do Supremo Tribunal Federal.

01.13. Ante isto, requer seja o recurso de apelação conhecido e improvido, a fim de que se mantenha na íntegra a veneranda sentença guerreada.

01.14. O membro do Graduado Órgão Ministerial, através de parecer ministerial às fls. 133/140, defende que o sentimento de afeto consolidado pela convivência, não pode ser desprezado pelo direito, com o objetivo exclusivo de prestigiar a filiação biológica, e que, in casu, bem decidiu o Juízo a quo quando reconheceu a paternidade socioafetiva entre as partes, pois a verdade revelada através do exame de DNA não removeu nem diminuiu a solidez do afeto nutrido por um em relação ao outro.

01.15. Salienta que seria inconcebível o Judiciário, rompendo o vínculo de filiação registral existente entre o Apelante e o menor há quase doze anos, autorizasse a anulação do reconhecimento de paternidade, aniquilando toda a gama de direitos decorrente do ato jurídico praticado pelo apelante no dia 05/02/1999 (data do reconhecimento da filiação).

01.16. Diz, assim, que a instrução do processo apontou para o reconhecimento da paternidade socioafetiva, já que o amor e a amizade existentes entre Apelante e Apelado deixam o vínculo sangüíneo em segundo plano.

01.17. Afirma, assim, que diante de tal constatação, a sentença deve ser integralmente mantida, motivo por qual incabível falar em execução do dever de alimentar ou de qualquer direito decorrente do reconhecimento voluntário da paternidade, bem como a devolução do imóvel adquirido pelo Apelante e já vendido pela genitora do menor, já que esta não é via apropriada para tal discussão.

01.18. Assim sendo, opina pelo conhecimento e improvimento do presente recurso de apelação.

01.19. É o relatório.

02. VOTO

02.01. Inicialmente, conheço do presente recurso de Apelação Cível, por presente os requisitos de admissibilidade.

02.02. Através do recurso em epígrafe pretende o Apelante reformar a r. sentença, a fim de que se julgue a negatória de paternidade totalmente procedente ou, caso assim não se entenda, seja mantido o seu nome no registro, excluindo-se todo e qualquer direito sucessório do Apelado, bem como excluídas todas as suas responsabilidades quanto aos alimentos, julgando o feito parcialmente procedente.

02.03. Analisando detidamente os elementos constante nos autos e, principalmente, o teor da peça vestibular da presente Ação Ordinária Declaratória de Exoneração de Prestação Alimentícia c/c Anulação de Reconhecimento de Paternidade, constato que o Apelante pretende inovar em seus pedidos em sede recursal.

02.04. Consta do bojo da petição inicial do Apelante, requerimento visando a suspensão do pagamento da pensão alimentícia em favor do Apelado, bem como a devolução da posse de uma imóvel, conforme se depreende no tópico dos pedidos à fl. 06. Por sua vez, em sede recursal, o Apelante pugna pela total procedência da negatória de paternidade ou, então pela manutenção de seu nome no registro do Apelado, mas que o exclua todo e qualquer direito sucessório, bem como a exclusão da responsabilidade do pagamento da pensão alimentícia.

02.05. A legislação pátria permite a inovação de questões de direito, as quais comportam apreciação em qualquer momento e grau de jurisdição, como é o caso das matérias de ordem pública, ou questões de fato, nos moldes do art. 517, do Código de Processo Civil, in verbis:

Art. 517. As questões de fato, não propostas no juízo inferior, poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior.

02.06. Caso contrário, não é possível inovar a causa no juízo de apelação, "em que é vedado à parte pedir o que não pedira perante o órgão a quo (inclusive declaração incidental), ou – sem prejuízo do disposto no art. 462, aplicável também em segundo grau – invocar outra causa petendi"[1].

02.07. Nesse cenário, restrinjo-me aos pedidos constantes na peça vestibular, para o fim de evitar decisão a quém ou além do pedido.

02.08. Doravante, tendo em vista que a Constituição Cidadã de 1988 deu maior amparo e amplitude à defesa da família, vislumbro que não assiste razão o inconformismo do Apelante.

02.09. O dever de alimentos é inerente ao poder familiar, a teor do disposto no art. 1.634, do Código Civil, amparado, também, constitucionalmente no art. 229, cujos pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores.

02.10. Por sua vez, "quando se fala em obrigação de alimentar dos pais sempre se pensa no pai registral, que, no entanto, nem sempre se identifica com o pai biológico. Como vem, cada vez mais, sendo prestigiada a filiação socioafetiva – que, inclusive, prevalece sobre o vínculo jurídico e o genético -, essa mudança também se reflete no dever de prestar alimentos. Assim, deve alimentos quem desempenha as funções parentais"[2].

02.11. Doutro giro, o contexto fático-probatório trazido aos autos não deixa dúvidas quanto ao vício de consentimento do assento de nascimento do Apelado, restando evidente que no momento de registrá-lo o Apelante acreditava realmente ser ele seu filho biológico.

02.12. Contudo, ainda que a paternidade do Apelante em relação ao Apelado tenha sido afastada pelo exame de DNA, restou plenamente comprovado nos autos, através do depoimento do Apelante e Apelado, respectivamente, às fls. 66 e 70, que, efetivamente, houve um sólido relacionamento afetivo entre as partes, durante todos estes anos, e que perdurou mesmo após o fim do relacionamento vivido com a genitora do Apelado.

02.13. Assim sendo, tenho como inviável desfazer o vínculo afetivo formado entre as partes, preponderando sobre a realidade biológica, de sorte a caracterizar a paternidade socioafetiva, razão porque não se há de dar abrigo à pretensão deduzida pelo Apelante.

02.15. Caminha nesse sentido a jurisprudência pátria, conforme os arestos a seguir:

Ementa: APELAÇÃO. DECISÃO MONOCRÁTICA. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. VERBA ALIMENTAR PROVISÓRIA. EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. IMPOSSIBILIDADE. Ainda que o exame de DNA tenha concluído pela ausência de parentesco entre as partes, o laudo não tem o condão de afastar possível vínculo socioafetivo, questão que depende de ampla dilação probatória, para oportuna sentença. Não estando afastada a paternidade socioafetiva, devem ser mantidos hígidos os deveres parentais, dentre os quais o de prestar alimentos ao filho, mormente recém iniciada a ação negatória da paternidade. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70039710645, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto Carvalho Fraga, Julgado em 11/05/2011) (grifei)

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REQUISITOS. AUSÊNCIA. Enquanto pendente de julgamento a ação negatória de paternidade, ainda que exista exame de DNA afastando a paternidade biológica, persiste o dever do alimentante de prestar os alimentos. A relação sócio-afetiva é fato que não pode ser, e não é, desconhecido pelo Direito. (TJMG. Agravo de Instrumento nº. 1.0024.09.538367-5/001 (1). Relator: ANTÔNIO SÉRVULO. Julgamento: 20/10/2009. Publicação: 11/12/2009)

02.14. Por fim, quanto à devolução do imóvel, acompanho o entendimento do Graduado Órgão Ministerial, no sentido de que esta Ação não é a via adequada para tal discussão.

02.15. Ante todo o exposto, em harmonia com o Ministério Público, ratifico o conhecimento do recurso, porém nego-lhe provimento, mantendo a r. sentença por seus fundamentos.

02.16. É como voto.

Manaus/AM, 30 de maio de 2011.

Sabino da Silva Marques

Desembargador Relator

 

[1] DIDER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Meios de Impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. Vol. 3. 8ª Ed. Salvador: Editora JusPodivm , 2010, p. 128.

[2] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 477/478.