Ministérios Públicos são contrários à PEC que extingue o percentual de recursos mínimos para a educação

SENADO 70a97

A Comissão Permanente de Educação (COPEDUC), do Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH), a 1ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (1ª CCR/MPF) e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MPF) enviaram, nesta quarta-feira (24), à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal, nota pública contrária à Proposta de Emenda Constitucional 186/2019, que extingue a destinação constitucional de recursos mínimos para a educação por parte da União, dos Estados e dos Municípios. De acordo com a nota, além de representar um retrocesso na política educacional do país estabelecida pela Constituição de 1988, a PEC tem como consequência danosa o esvaziamento de todas as conquistas históricas alcançadas desde então nessa área. Pelo MPF, assinam a nota a Câmara de Direitos Sociais e Fiscalização de Atos Administrativos em Geral (1CCR) e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC).

De acordo com as entidades, se aprovada, a PEC 186/2019 comprometerá o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), aprovado recentemente pela Emenda Constitucional 108/2020. “A natureza permanente da qual foi dotado [o Fundeb] não representará mais nada para o financiamento da educação, considerando que a matriz constitucional na qual se apoia perderá sua efetividade”, explica a nota pública, acrescentando que a proposta coloca em em risco o próprio direito à educação previsto nos arts. 205, 206, 207, 208, 209, 210, 211, 212, 213 e 224 da Constituição.

O Ministério Público ressalta que a proposta é inconstitucional e representa grande risco ao desenvolvimento socioeconômico do país. "É notório que a tentativa ofende princípios constitucionais como o da vedação de retrocesso e da aplicação de recursos no patamar mínimo, como cláusulas pétreas, remetendo-nos à década de 1980, quando o Brasil era considerado um país de analfabetos, justamente pela falta de definição legal de obrigações para que gestores públicos aplicassem verbas públicas em livros, merenda, remuneração de professores, infraestrutura, programas de alfabetização, entre outros", destaca o documento.

A nota pública aponta ainda que um dos efeitos da atual pandemia é o aumento das desigualdades na educação, impedindo o acesso a esse serviço público essencial a mais de 600 mil brasileiros com idade de 15 a 17 anos, reduzindo-se drasticamente a nutrição de crianças e adolescentes, e deixando ainda muitos jovens órfãos em idade escolar. Para as entidades que assinam o documento, caso não existisse a vinculação orçamentária que a PEC 186/2019 pretende extinguir, as consequências desse flagelo seriam ainda piores. Assim, “seja qual for a estratégia normativa adotada pelo Executivo federal em seu enfrentamento, deve ser pautada por critérios racionais, sem atingir os já cambaleantes direitos sociais, sob pena de agravamento da situação”, alerta a documento.

Saúde x Educação – O Ministério Público pondera que nem mesmo a proposta alternativa de “unificação” dos pisos constitucionais da saúde e da educação pode ser aceita, uma vez que, como a pandemia tem demonstrado, a saúde possui necessidades e demandas crescentes e emergenciais que, se colocadas em uma desnecessária disputa orçamentária com a educação, implicarão, inevitavelmente, prejuízos a esta.

Tal conclusão, salienta o documento, além de lógica, foi comprovada por estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2020, o qual demonstrou que “em um contexto de concorrência por recursos, os gastos em saúde serão mais resilientes, uma vez que tendem a ser menos elásticos, e, por conseguinte, os recursos para a educação estão sob maior risco de perdas.”

A nota pública ressalta, por fim, que a proposta em tramitação no Congresso Nacional segue na contramão do fortalecimento do ensino universal e gratuito preconizado pela Constituição Federal, concorrendo sobremaneira para a precarização da educação pública e para a manutenção da dramática desigualdade social existente em nosso país. "Reafirmamos que a educação básica brasileira deve ser prioridade para o governo brasileiro, e como tal, deve ser adequada e suficientemente financiada, respeitando-se as regras e princípios estabelecidos na Constituição Federal”, conclui o texto.

Leia a nota:

NOTA EM DEFESA DA VALORIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA, UNIVERSAL E GRATUITA


A Comissão Permanente de Educação (COPEDUC), do Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH), a 1ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (1ª CCR) e Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MPF) manifestam profunda preocupação com propostas em discussão no bojo do Projeto de Emenda Constitucional n. 186/2019, que tramita no Congresso Nacional, sob o pretexto de esforço de ajuste fiscal.

A referida PEC, ao extinguir em seu art. 4º, a destinação constitucional de recursos mínimos para a Educação por parte da União, dos Estados e dos Municípios, além de representar um retrocesso em termos de política educacional para o país, trazida pela Constituição de 1988, tem como consequência danosa o esvaziamento de todas as conquistas históricas alcançadas desde então nessa área, como a do novo FUNBEB, aprovado recentemente pela Emenda constitucional n. 108/2020. Com a aprovação da referida PEC n.186, a natureza permanente da qual foi dotado não representará mais nada para o financiamento da educação, considerando que a matriz constitucional na qual se apoia perderá sua efetividade, colocando em risco o próprio direto à educação previsto nos arts. 205, 206, 207, 208, 209, 210, 211, 212, 213 e 224 da nossa Carta Magna.

É notório que a tentativa ofende princípios constitucionais como o da vedação de retrocesso e da aplicação de recursos no patamar mínimo, como cláusulas pétreas, remetendonos à década de 1980, quando o Brasil era considerado um país de analfabetos, justamente pela falta de definição legal de obrigações para que gestores públicos aplicassem verbas públicas em livros, merenda, remuneração de professores, infraestrutura, programas de alfabetização, entre outros. O impacto da Educação no pretendido desenvolvimento social e econômico do país é implacável!

Observe-se ainda que um dos efeitos deletérios da atual pandemia é o aumento das desigualdades na educação, impedindo o acesso a esse serviço público essencial de mais de 600 mil brasileiros com idade de 15 a 17 anos, reduzindo-se drasticamente a nutrição de crianças e adolescentes, e deixando ainda muitos jovens órfãos em idade escolar.

Caso não existisse a vinculação orçamentária que a PEC pretende extinguir, as consequências desse flagelo seriam ainda piores, o que permite afirmar que, seja qual for a estratégia normativa adotada pelo Executivo federal em seu enfrentamento, deve ser pautada por critérios racionais, sem atingir os já cambaleantes direitos sociais, sob pena de agravamento da situação.

Ademais, a pretensa medida incluída na referida PEC, fere drasticamente dispositivo de proteção de normas constitucionais consideradas essenciais à garantia de direitos, denominadas cláusulas pétreas. A emenda, diversamente do que afirmam incautos discursos, não preserva o núcleo essencial da cláusula pétrea. Ao contrário, destrói o princípio constitucional expressamente previsto no art. 34, uma vez que não apenas modifica o instituto criado pelo Constituinte originário, mas o xtermina.

Nem mesmo a proposta alternativa de "unificação" dos pisos constitucionais da saúde e da educação pode ser aceita, uma vez que, como a pandemia tem demonstrado, a saúde possui necessidades e demandas crescentes e emergenciais que, se colocadas em uma desnecessária disputa orçamentária com a educação, implicarão, inexoravelmente, prejuízos a esta. Tal conclusão, além de lógica, foi comprovada por estudo realizado pelo IPEA em 2020, que demonstrou que "em um contexto de concorrência por recursos, os gastos em saúde serão mais resilientes, uma vez que tendem a ser menos elásticos, e, por conseguinte, os recursos para a educação estão sob maior risco de perdas."

Nossa Constituição possui quatro grandes eixos pétreos: voto universal/secreto/livre/periódico, pacto federativo, separação de poderes e direitos e garantias fundamentais. Para todos, há proteção de custeio mínimo que não podem, em hipótese alguma, ser seletivamente extintos, como pretende o texto reformador proposto.

Com efeito, a proposta em tramitação no Congresso Nacional segue na contramão do fortalecimento do ensino universal e gratuito conforme preconizado pela própria Constituição Federal, concorrendo sobremaneira para a precarização da educação pública e para a manutenção da dramática desigualdade social existente em nosso País.

Assim, reafirmamos que a educação básica brasileira deve ser prioridade para o governo brasileiro, e como tal, deve ser adequada e suficientemente financiada, respeitando-se as regras e princípios estabelecidos na Constituição Federal.


CÉLIA REGINA SOUZA DELGADO
Subprocuradora-Geral da República
Coordenadora da 1ª CCR

CARLOS ALBERTO VILHENA
Subprocurador-Geral da República
Procurador Federal dos Direitos do Cidadão


MARIA CRISTINA MANELLA CORDEIRO
Procuradora da República
Coordenadora da COPEDUC e do GT-Educação da 1ª CCR/MPF

 

Texto: com informações da Secretaria de Comunicação Social
Procuradoria-Geral da República

Foto: divulgação Senado Federal

Anexos

NOTA COPEDUC Conjunto-001-2020-nota pública PEC 186-PGR-00060888.2021 (3).pdf