Entrevistas

Entrevista com o Promotor de Justiça André Seffair

O Promotor de Justiça André Virgílio Belota Seffair relembra nessa entrevista os tempos como estudante de Direito e a experiência como titular da 2ª Vara do município de Parintins. Atualmente está junto ao CAOCRIMO, grupo de trabalho de combate ao crime organizado no Tribunal do Júri, em Manaus. Seffair afirma que o desvio do dinheiro público, "a mais desprezível modalidade criminosa contra a sociedade", não é algo combatido da noite para o dia, mas com ações penais bem fundamentadas. "Estamos avançando mais rápido do que poderíamos imaginar", diz.


AIDC: A escolha profissional de defender a ordem jurídica e os interesses da sociedade, que é a função de um Promotor de Justiça, sempre foi uma meta na sua carreira?

Nasci em uma família de classe média e cresci em um ambiente de muito diálogo crítico acerca dos problemas sociais, sempre refletindo soluções em busca da melhoria das condições de vida da sociedade. Naturalmente estes valores não só nortearam minha formação, mas são uma constante em meu cotidiano profissional.

AIDC: Como foi a sua formação em Direito e as experiências do tempo como estudante?

Cursei Direito no Centro Universitário Nilton Lins e durante o período da faculdade, juntamente com outros colegas, ajuizei uma ação indenizatória cuja motivação se deu em virtude dos apagões que Manaus vivenciou em 1997. Ganhamos em primeira instância, mas em segunda instância nosso provimento foi revertido, pois os julgadores entenderam que se todos os consumidores da cidade agissem como nós tínhamos agido e cobrassem seus direitos, a empresa fornecedora de energia elétrica quebraria. Foi um profundo aprendizado de que neste país o judiciário nem sempre julga as demandas de forma jurídica. Trago isso comigo até hoje em minhas atuações para defesa mais intransigente possível dos interesses da sociedade.

AIDC: Após a conclusão do curso superior, por quais ramos do Direito passou, que cargos ou funções exerceu até entrar para o Ministério Público amazonense?

Entrei no MP como estagiário em março de 1998. Quando terminou o estágio, em 2000, fui convidado para o cargo de assessor. Naquela época ninguém queria, pois ganhávamos pouco mais de R$ 500,00. Passei no concurso para Promotor de Justiça no ano de 2001. Tirando os concursos que prestei e passei mas não fui chamado, e um curto período em advocacia, posso afirmar que, profissionalmente, exerci logo no Ministério Público do Estado do Amazonas. E o MP tem sido tudo pra mim, há catorze anos.

AIDC: A atuação no interior do Amazonas é, muitas vezes, um desafio para o membro do MP-AM, pela logística e também pelos problemas sociais na região. No primeiro momento como Promotor de Justiça, por quais Comarcas passou?

Passei um ano e sete meses designado para a Promotoria de Justiça de Barreirinha e, depois, em outubro de 2003, fui removido por merecimento para 2ª Vara Parintins. Não sei explicar ao certo o tamanho da gratidão que tenho pelo destino ter me reservado a oportunidade de trabalhar em Parintins nestes mais de oito anos. Sinto fazer parte da cidade e com certeza ela faz parte de mim. Lá casei, criei minhas filhas e vivi momentos inesquecíveis de minha vida. Se morresse hoje, morreria feliz por ter vivido em Parintins.

AIDC: A Comarca que passou mais tempo atuando foi Parintins. Como foi o trabalho no município? Quais os casos que podem ser destacados como relevantes para a sociedade parintinense e quais são as principais denúncias?

O maior trabalho foi ter morado na cidade e passar a exigir para a minha comunidade serviços públicos como escola, posto de saúde, hospital, etc. Junto com outros colegas valorosos, exigi melhores condições para abastecimento de água, energia e telefonia, por uma melhor educação, saúde e segurança. Talvez o legado mais concreto tenha sido a criação do Gabinete de Gestão Integrada de Segurança Pública do Festival Folclórico da cidade. Por meio deste trabalho, fizemos mais segurança com menos deslocamento de profissionais de outras cidades para o FFP, e, desde 2007, não há nenhuma fatalidade em decorrência do Festival. Para uma cidade pequena que recebe mais de 50 mil pessoas, isso não é só resultado de um trabalho árduo, mas um presente de Deus, um milagre ao nosso empenho. Quanto às denúncias e acusados, não levo isso como troféu na minha carreira, afinal é lamentável ter de processar ou pedir a prisão de um ser humano. Mas posso afirmar que combatemos com bom combate, percorremos um penoso caminho em busca da moralidade e da probidade administrativa, e colecionamos múltiplas e variadas no combate à corrupção. Ajudamos o Brasil a ser um país melhor, mais justo e mais transparente.

AIDC: Recentemente, no final de 2011, a Procuradoria Geral de Justiça o convocou para atuar no Tribunal do Júri, em Manaus. É a primeira experiência como Promotor do Júri? Como está fluindo o trabalho na capital?

Já atuei no Júri em 2003. Em Manaus, faço parte do GAECO [Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado], junto ao CAOCRIMO, coordenado pelo Promotor Fábio Monteiro. Nosso objetivo atual é continuar o ótimo trabalho que foi desempenhado pelo Procurador de Justiça Bosco Valente, focando, contudo, nas necessidades e agruras dos colegas Promotores de Justiça. Temos utilizado a estrutura do grupo ao apoio de ações desempenhadas pelos colegas, principalmente no que concerne ao combate da mais desprezível modalidade criminosa contra a sociedade, que é o crime contra a administração pública. Graças ao apoio do Procurador Geral de Justiça, temos tido a oportunidade de realizar com êxito esta árdua missão. Não nos comprometemos com a pirotecnia, nem temos a ousadia de querer mudar o mundo, mas estamos lançando as bases de atuação do MP para as demandas do século XXI, na certeza de que desvio de dinheiro público não se combate somente com ações de improbidade, mas com ações penais bem fundamentadas e na busca de aplicação de penas de prisão contra gestores corruptos, pois já está passando da hora de tornarmos concreta a afirmação de que lugar de ladrão de dinheiro público é na cadeia. Não se faz isso da noite para o dia, mas estamos avançando, mais rápido do que poderíamos imaginar.

AIDC: Em fevereiro deste ano, a Universidade do Estado do Amazonas divulgou lista de aprovados em mestrado na instituição, cuja sua colocação foi em primeiro lugar. "Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos" é sua área de estudos ou é o início de uma nova produção na carreira acadêmica?

Sou especialista em Direito Processual Civil, mas minha atuação profissional mais concreta sempre foi voltada para a segurança pública. Recebi este resultado mais como obra da providência divina do que como mérito pessoal, e agradeço humildemente a oportunidade que me está sendo ofertada. Espero, sinceramente, que a jornada de estudos que se inicia hoje seja proveitosa para minha Instituição e para a sociedade. Estou convicto de que o estudo e a pesquisa é o único caminho legítimo e verdadeiro para a solução de nossos problemas, o resto é blá blá blá.

AIDC: Comente sobre a atual administração do Ministério Público amazonense e também sobre o cenário do MP em nível nacional.

Revoluções não se fazem de pessoas, mas de ideias; ideais e capacidade de trabalho. Ao longo dos anos obtivemos avanços institucionais importantes, e a atual administração do MP tem o mérito da visão lúcida e realista dos desafios de nosso tempo. O mais importante é que não percamos o foco das reais demandas sociais impostas ao MP. Quanto ao cenário brasileiro, entendo que nosso maior desafio é manter incólumes as atribuições institucionais, principalmente no que tange aos poderes de investigação criminal. À sociedade não interessa um MP fragilizado e devemos envidar nossos esforços comuns no sentido de evitar esse inequívoco retrocesso às conquistas democráticas.

"Sinto-me em constante recomeço. Não acho que tenha feito nada mais que minha obrigação para com a comunidade em que vivo e que merece muito mais esperança e qualidade de vida. Ao longo destes mais de dez anos não vendi falsas esperanças, mas trabalhei firme para que o mundo real fosse concretamente mais justo e igualitário. Tenho uma dívida enorme de gratidão pela minha instituição, pelo meu Estado e pela “minha” cidade de Parintins. Espero trabalhar sempre para continuar sendo digno da confiança da comunidade e instrumento dos Projetos Maiores de realização de uma sociedade mais feliz. Aos aspirantes à carreira de Promotor de Justiça, peço que não vejam a instituição como uma simples função pública, mas como o meio da realização de um ideal de vida; convido àqueles que estejam sempre prontos a servir e dispostos a sacrificar-se pelos direitos de seus semelhantes. MP não é carreira, nem emprego, é vocação e sacerdócio".

André Seffair