Artigo: Promotor de Justiça João Gaspar Rodrigues discorre sobre o MP e sua missão institucional

MINISTÉRIO PÚBLICO RESOLUTIVO: A ATUAL MISSÃO INSTITUCIONAL

 

João Gaspar Rodrigues
Promotor de Justiça
Mestre em Direito. Universidade de Coimbra.

 

Resumo: Uma sociedade em mutação exige um contínuo reajuste de suas instituições para atender eficientemente às novas demandas. O Ministério Público se insere nesse contexto como uma instituição destinada a defender os interesses, não mais do Estado ou de uma sociedade simplesmente, mas de uma sociedade democrática. Neste propósito, assume a responsabilidade de pensar a ciência jurídica e seus mecanismos como alavancas de progresso social, a partir de uma cultura de inovação; sua missão é promover o interesse público e a justiça não apenas com os elementos estáticos concedidos pela letra fria da lei, mas enriquecê-los com a práxis institucional e as soluções que surgem da teorização dos problemas formulados a partir do contato com a comunidade.

 

Palavras-chave: Ministério Público. Perfil institucional. Atividade funcional. Eficiência. Inovação. Dinamismo.

 

THE PUBLIC PROSECUTION OF RESULTS: THE CURRENT INSTITUTIONAL MISSION


João Gaspar Rodrigues
State Attorney
MA in Law. University of Coimbra.

 

Abstract: A society in transformation requests a continuous reassessment of its institutions to attend new demands in an efficient way. The Public Prosecution, within that specific context, is an institution designed to protect the interest, no only of the State or only of society, but of a democratic society. In this regard, the Public Prosecution takes the liability to think law and its mechanisms as levers of social progress, regarding an innovation culture; its mission is to promote the public interest and justice not only with the static elements of the cold letter of the law, but by enriching them with the institutional praxis and the solutions that arise from the theorisation of the issues placed by contact with the community.

 

Keywords: Public Prosecution. Institutional profile. Functional activity. Efficiency. Innovation. Dynamism.

 

 

MINISTÉRIO PÚBLICO RESOLUTIVO: A ATUAL MISSÃO INSTITUCIONAL

 

João Gaspar Rodrigues

 

Sumário: 1- Introdução. 2- O desafio de manter-se independente sem isolar-se das demais instituições. 2.1- Trabalho intersetorial. 2.2- Diálogo institucional: o poder canalizado. 3- A busca incessante por legitimidade social: termômetro da eficiência funcional do MP. 4- Criação de uma identidade funcional perante o Poder Judiciário. 5- Dinamismo funcional. 6- A gestão de resultados numa cultura de inovação: Ministério Público resolutivo. 7- A necessidade de uma instituição ágil e flexível. 7.1- As contra-instituições. 8- Premiar o talento e o mérito: fórmula de fortalecimento institucional. 9- Conclusões. Referências bibliográficas. 

 

1- Introdução

A todos que compõem uma instituição parece elevar-se como uma natural imposição moral zelar pela força, grandeza e prestígio perante a sociedade onde desempenha suas atribuições. Isso porque uma instituição, e falando especificamente do Ministério Público, dura independentemente dos homens que a integram. À complexa rede de relações com a qual os participantes se comprometem, a instituição vem acrescentar algo mais e diferente aos elementos iniciais. Para além dos membros individuais surge um elemento novo, uma entidade autônoma que não é o resultado de uma simples adição. Na vida quotidiana, ninguém se lembra de confundir a mais simples casa com a pilha de materiais de que, no entanto, ela é o resultado. Ora, a instituição é igualmente uma construção, um conjunto arquitetônico onde os indivíduos desempenham uma função (uma pedra num grande edifício), mas adquirem um novo valor pela sua situação em relação ao conjunto (Prélot, 1974:117). E o todo, a instituição globalmente considerada, porque perdura para além da curta existência dos homens, é a “realidade” última.

Sobre o Ministério Público, dados os princípios da unidade e indivisibilidade, todos os membros falam em nome da instituição.

Assim, cada promotor de justiça assume uma responsabilidade que supera o círculo individual (todos resumem em si o destino da instituição). Como as instituições são governadas por pessoas, a individualidade passa a ser um elemento a incluir na conduta institucional (Thompson, 1967:155). Se os membros de uma instituição procedem errado ou de forma inadequada, se usam os meios (garantias e prerrogativas) como fins, o resultado ruinoso é sentido pela instituição. Se, por outro lado, atuam dentro de padrões de comprometimento com a causa pública, os resultados benéficos são distribuídos em cotas equânimes de prestígio entre os agentes e a instituição. No somatório final, a instituição acaba sendo defraudada em seu patrimônio moral.

O importante parece ser não o que a instituição do Ministério Público pode representar em garantias e prerrogativas, mas o que fazemos por ela (e por consequência, pela sociedade); não é a instituição que faz o promotor, mas o promotor que constrói o prestígio institucional. Uma instituição ou ente coletivo abstrato não tem uma realidade substancial, ao contrário, é fria, esquemática, relativamente mecanizada (Siches, 1943, p. 144). Esse espaço é preenchido pelo ser humano, com seus valores, sua vontade e dedicação1. Em termos práticos, enfim, não é a profissão que honra ou desonra o homem; pelo contrário, é o homem que honra ou desonra a profissão (S. Smiles, apud Viana, 1943:341).

É forçoso, portanto, buscar uma harmonia onde o todo serve às partes da mesma forma que as partes servem ao todo (Lapassade/Lourau, 1972:127). Dentro do binômio indissociável instituição/individualidade, passaremos a analisar o atual perfil do Ministério Público, seus ideais institucionais intrínsecos e a forma mais adequada de se portar diante das exigências modernas de um ambiente social complexo e heterogêneo. Indagando, também, como o conjunto das determinações sociais atravessa a instituição, e, reciprocamente, como a instituição atua sobre o conjunto das determinações sociais. Tudo enfeixado, porém, num círculo mais amplo: o de instigar debates.

 

2- O desafio de manter-se independente sem isolar-se das demais instituições

O Ministério Público não retira sua força da proximidade com o Judiciário, Executivo ou Legislativo, ou de qualquer outro escaninho da máquina estatal. Não. Como Anteu da mitologia, a instituição fortalece-se quando se aproxima da sociedade, quando através de suas atribuições (judiciais e extrajudiciais) atende os legítimos anseios sociais, quando em defesa dos interesses sociais não escolhe ou poupa adversários, quando em sua evolução institucional se mantém fiel aos ideais de berço (ou às coordenadas originárias): justiça, paz, segurança, liberdade, interesse público. É no começo de todas as coisas que se encontra o que há de mais precioso e essencial.

Historicamente, está mais que provado que o Ministério Público quando, por um motivo ou outro, se aproxima demais daqueles órgãos (Executivo, Judiciário e Legislativo) tende a perder respaldo social e a compartilhar dos mesmos males (corrupção, politização, partidarização, burocracismo, servilismo, corporativismo etc.). O que pode sugerir, numa leitura subliminar, que a separação das funções (ou dos “poderes”) atinge diretamente o MP.

Os membros do Ministério Público não podem, por outro lado, ficarem encastelados em uma “torre de marfim”, isolados, à margem das realidades, autossuficientes, procurando em si mesmos o seu próprio princípio e o seu próprio fim, porque como as religiões, as filosofias e a política, que se destroem quando passam a ter seu fim em si próprias, também as instituições deterioram-se quando o interesse interno as desvia de seus objetivos (Moura Bittencourt, 1982:18).

Atuar com independência sem, contudo, isolar-se corporativamente das demais instituições democráticas ou, o que é pior, dos anseios e necessidades da sociedade, é o enredo do tremendo desafio que se põe ao Ministério Público de hoje, a exigir reflexão de todos que lhe dedicam interesse científico.

Todas as ações das diversas instituições públicas giram num concerto teleológico, sem que o complemento da ação insuficiente de uma por outra possa ser interpretado como invasão de competência ou de atribuições, ou ainda de violação à independência funcional. Dada esta evidência, o Ministério Público deve trabalhar de maneira independente, mas em cooperação com outros ramos do governo, na defesa e no zelo pelo interesse público.

Ao invés de corporativo, o MP deve se apresentar à sociedade e às diversas instituições públicas, como cooperativo, associando-se no objetivo comum de distribuir harmonia e paz à coletividade. O mais valioso não se encontra nas entranhas institucionais, mas no tecido social, origem e fim de todos os órgãos especializados do Estado. Ademais, num ambiente democrático não há espaço para o egoísmo institucional, pois todas as associações e instituições se unem numa espécie de grande sociedade cooperante (Rodrigues, 2007:205).

Esta união de esforços diversos, acomodada numa vasta cadeia de cooperação, é uma característica fundamental de uma sociedade democrática. É essencial que todas as instituições funcionem bem, dentro de objetivos que não sejam internos e exclusivos. Uma só a desafinar neste coro comum e todo o trabalho é posto a perder. Deve existir uma linha de continuidade funcional entre os diversos órgãos democráticos. Um sendo o prolongamento do outro. E neste quadro, o espírito de corpo surge como um elo desagregador, desviante de uma energia coletiva convergente.

Um raciocínio sereno extraído das circunstâncias práticas nos remete à seguinte conclusão: o MP requer para a eficácia de sua ação uma parceria com outros órgãos públicos. Alguns poucos exemplos servem de ilustração para essa ideia. Uma perícia a ser elaborada pelo Setor ou Departamento de Perícia do Estado ou da União, pelo Conselho Regional de Engenharia ou qualquer outro órgão pode representar o êxito ou fracasso de um procedimento do MP; na área criminal, um inquérito policial mal elaborado ou conduzido pode resultar num processo fadado ao insucesso, a retratar, nos atuais moldes, a importância da polícia judiciária2; a falta de cooperação de órgãos ambientais do Município, Estado ou União pode inviabilizar o trabalho eficiente das Promotorias Especializadas em Meio Ambiente; a abordagem ineficiente ou desidiosa de órgãos municipais pode redundar em sérios embaraços para a Promotoria Especializada em Urbanismo etc.

João Lopes Guimarães Júnior (1997:99), analisando um aspecto específico ligado à essa temática, alerta que os “principais responsáveis pela repressão criminal e pela segurança pública no país falam línguas diferentes. Polícias Civil e Militar, Ministério Público e Judiciário vivem, em regra, tendo entre si o abismo das desconfianças recíprocas ditadas por impatrióticos espíritos corporativistas. Raramente trabalham de forma coordenada e estratégica, em prol de objetivos comuns, como seria de se esperar. O prejuízo decorrente, para a instrução de inquéritos e investigações, impede muitas vezes a eficiência da atuação do promotor criminal”.

Instituições sem coordenação neutralizam mutuamente sua eficácia. E todas estão ligadas por regras e compromissos distintos, embora sejam livres dentro do marco desses compromissos. A experiência demonstra, numa perspectiva mais ampla, que a democracia não pode existir a menos que todas as suas instituições estejam perfeitamente orientadas para objetivos democráticos. E generalizando, podemos dizer que nenhuma sociedade pode sobreviver a menos que exista alguma coordenação dentro da rede de suas instituições, seus recursos educativos e seus valores fundamentais (Mannheim, 1960:193).

O Ministério Público, além de buscar, através de convênios, protocolos, ajustes, termos de cooperação operacional ou auxílio técnico etc., uma coordenação entre os diversos órgãos públicos para viabilizar e otimizar sua atividade-fim, assume por conta disso, paralelamente, uma espécie de responsabilidade pela saúde institucional e técnica de tais órgãos. Responsabilidade que o obriga a ser um dos principais combatentes do Estado (Município, Estado-membro e União), com o objetivo de forçá-lo constantemente a manter ditos órgãos (principalmente aqueles indispensáveis ao bom desempenho das funções ministeriais) dentro de padrões mínimos de eficiência (como, aliás, determinam os arts. 37 e 129, II, da CF).

 

2.1- Trabalho intersetorial

A necessidade de coordenação do Ministério Público com outros órgãos e entidades, funda-se também na perspectiva moderna do relativo descrédito do conhecimento cartesiano e setorial que já não consegue trabalhar com a multiplicidade de variáveis que tornam os problemas sociais impossíveis de uma leitura pela visão unilateral ou escoteira de uma instituição especializada. Cada instituição detém uma parte da verdade, das explicações, dos saberes, mas não da totalidade. Em relação a todas as técnicas que não pertecem à sua estrita área de atuação, o técnico é tão ignorante quanto o cidadão comum. A tecnificação do mundo tem como inevitável contrapartida certa extensão da ignorância humana. E quanto mais o saber-fazer se diferencia e aumenta em eficácia, menos é possível o controle intelectual do homem sobre o conjunto das operações que efetua ou das quais participa (Fougeyrollas, 1960:11/12).

A intersetorialidade ou transetorialidade consiste na articulação entre órgãos públicos, instituições e diversos outros setores da sociedade civil, integrando interesses, necessidades, conhecimentos (experiências) e poderes, com o fim de enfrentar os problemas sociais cada vez mais complexos. Implica numa forma nova de administrar, de governar e de moldar políticas públicas capazes de agregar todo o potencial cooperativo das estruturas sociais em prol dos objetivos definidos institucionalmente. Antes de ser um conceito teórico, a intersetorialidade é uma prática social voltada ao enfrentamento de problemas reais.

O atual estágio da ciência exige uma nova visão de mundo, diferente e não fragmentada. A abordagem que analisa e tenta compreender o mundo em partes independentes já não funciona. Já não se pode prescindir de uma visão mais ampla, integradora, global, para que a mente humana funcione de modo mais harmonioso no sentido de colaborar para a construção de uma sociedade mais ordenada, justa, humana, fraterna, estável e segura (Moraes, 1997:20)3.

Há na sociedade, paralelamente, órgãos públicos e entidades da sociedade civil atuando isolados, em setores, sobre necessidades e expectativas sociais. Na segurança pública, por exemplo, temos de um lado, a polícia, o Ministério Público, o Judiciário, o sistema prisional, cada um com seus princípios, suas metas, suas estratégias, trabalhando sobre o mesmo fundo. E de outro lado, trabalhando sobre o mesmo tema, mas com princípios, estratégias e metas próprias, temos outros atores como associações diversas, entidades não governamentais de defesa dos direitos humanos etc. As forças, as experiências, os interesses embora ligados pela identidade do problema social, acabam dispersando-se e pulverizando-se em atuações isoladas, setoriais, em prejuízo de resultados produtivos, concretos e duráveis sob o pálio da cooperação, coordenação e intersetorialidade.

 

2.2- Diálogo institucional: o poder canalizado

Nesse desafio de coordenação com órgãos e instituições externas de forma independente, o Ministério Público acaba esquecendo uma premissa básica: a cooperação interna é a primeira lei de competição externa. Afinal como enfrentar poderes políticos e econômicos bem organizados sem contar com uma estrutura sólida e coesa?

A Constituição ao dotar o Ministério Público de unidade e indivisibilidade (art. 127, § 1º, CF)4, possibilitou a qualquer agente ministerial que, ao atuar, impute sua vontade funcional à instituição (Carneiro, 1995, pp. 43-44). Qualquer ato praticado por um promotor ou procurador de justiça, no exercício de suas funções, automaticamente é atribuído ao Ministério Público. Não há dualidade de pessoas (ente curador dos direitos ou interesses – MP – e a pessoa que os exerce – membro) como na representação, legal ou voluntária. Há unidade: é uma só pessoa – a pessoa coletiva, a instituição – que persegue o seu interesse, mas mediante pessoas físicas – as que formam a vontade, as que são suportes ou titulares dos órgãos5.

Diante disso, seria extremamente traumática para a instituição a existência de tantos interesses ou vontades quantos fossem o número de membros a compô-la. Ou ainda, a justaposição de promotorias mais ou menos especializadas, sem diálogo e sem cooperação entre si. Não haveria convergência de energias, mas o caos anárquico e improdutivo conducente a uma espécie de anomia institucional. Os múltiplos agentes independentes devem repousar suas individualidades e idiossincrasias sobre um núcleo irredutível que confira uma base segura para o desempenho linear das funções da instituição6 e não sobre fatores irracionais que interferem no curso da ação individual. Esse núcleo não é outro senão a ordem jurídica e o diálogo institucional.

O diálogo institucional ou a solidariedade interna entre os agentes do Ministério Público, com delimitação precisa de atribuições, disposição de atuar em conjunto e uma interação funcional sujeita a princípios, normas e regras, onde cada órgão pode complementar a atividade do outro, é o passo decisivo para uma gestão fundada no resultado. Isso porque a reunião de uma série de energias (os diversos membros numa instituição) gera um somatório razoável, mas a multiplicação dessas energias reunidas só é possível se entre elas estabelece-se um diálogo ou uma forma de comunicação produtiva. Como diz Recasens Siches (1943:136),

“Toda realidad y toda fuerza del ente colectivo se compone exclusivamente de energías humanas enlazadas. Y, por ende, cuando faltan esas energías humanas se acabó el ente colectivo”.

Para alcançar esse diálogo institucional alguns desafios devem ser postos claramente: I- criação de condições efetivas para os órgãos de execução e de administração atuarem como uma equipe (com unicidade de propósitos), estabelecendo uma rede estreita de vínculos e compromissos; II- estabelecimento de condições para enfrentar diferenças internas criando motivação para ações cooperadas; III- extrair da interação entre os órgãos cooperantes soluções capazes de mudar a realidade (retroalimentando a aliança orgânica); IV- eliminação ou expurgo da cultura burocrática avessa ao diálogo e ao agir compartilhado (que pressupõe uma atitude mental absolutamente nova7); V- Aumento das redes de comunicações formais (relatórios, circulares, memorandos, reuniões etc) e redução das informais (Lapassade/Lourau, 1972:103).

No tópico 2 desse estudo, deixamos claro que o MP deve compatibilizar sua independência funcional com uma coordenação com os demais órgãos externos. É sabido que a independência funcional atinge o MP sob dois vértices: a independência externa ou política (visa protegê-lo das ingerências e pressões de poderes externos em sua atividade funcional) e a independência interna ou pessoal (que visa amparar o membro ministerial dentro de sua própria instituição, em relação aos demais órgãos ministeriais). Com a independência externa assume a instituição o desafio de harmonizá-la com a necessidade imperiosa de se coordenar com as demais instituições e órgãos externos. Não é diferente com a independência interna, em que os membros e órgãos internos (de execução e de administração), individualmente considerados, têm a difícil missão de afinar a independência com um diálogo permanente com o objetivo de agilizar e otimizar sua atividade-fim.

Debates, estudos, intercâmbio de informações, realização periódica de congressos (estaduais, regionais e nacionais) reunindo a categoria, assim como as campanhas internas para os cargos eletivos dos órgãos superiores e da associação de classe criam espaços de formulação e discussão de temas jurídicos e problemas institucionais (Silva, 2001:130). Essas atividades geram um discurso próprio à categoria e, em consequência, um diálogo permanente.

O envolvimento de membros ministeriais cooperativos em atividades conjuntas nutre valores que conduzem à efetividade do empreendimento dos projetos institucionais.

 

3- A busca incessante por legitimidade social: termômetro da eficiência funcional do MP

O Ministério Público constitui uma estrutura jurídico-social, ou seja, é a institucionalização de uma função indispensável ao bom desenvolvimento social. É uma estrutura estatal que, de toda maneira, saiu da coletividade, sendo controlada em seus objetivos pela sociedade e tendo um papel positivo a desempenhar no alargamento do horizonte social, jurídico e político das massas. A sociedade inteira, por isso, lhe confia a função de agir em seu nome, de cumprir os seus deveres, de realizar os seus desejos.

As funções e os fins a que se dedica o MP respondem pelo valor corporificado na instituição e reconhecido pela sociedade. Se as tarefas desempenhadas são boas e eficientes, incorporam-se no patrimônio moral da instituição valores positivos. Assim, o conceito gozado pelo Ministério Público ou a sua legitimidade não decorrem simplesmente dos fins institucionais teóricos, mas do que faz e à forma como se dedica a esse fazer.

A legitimidade e o prestígio social dependem sempre da competência e da eficiência como o Ministério Público desempenha suas atividades ordinárias. A motivação dos cidadãos em colaborar, participar e demandar os serviços prestados pelo MP funciona como vetor legitimador da própria atuação institucional. Legítima será a atividade funcional capaz de gerar crenças validadas pelo seu reconhecimento como valor ético e pela prática social que, por uma experiência concreta, confirma seu modus operandi (Grin, 2008). Daí que essa legitimidade social para o MP e práticas legitimantes pela sociedade devam formar um círculo virtuoso, visando manter o padrão de eficiência da atividade-fim desempenhada pela instituição.

Ser eficiente exige o aproveitamento máximo de tudo aquilo que a coletividade possui, em todos os níveis, ao longo da realização de suas atividades. Significa racionalidade e aproveitamento máximo das potencialidades existentes. Mas não só. Em seu sentido jurídico, a expressão também deve abarcar a ideia de eficácia da prestação ou de resultados da atividade realizada. Uma atuação ministerial só será juridicamente eficiente quando seu resultado quantitativo e qualitativo for satisfatório, levando-se em conta o universo possível de atendimento das demandas existentes e os meios disponíveis (Cardozo, 1999:166).

A eficiência no desempenho das funções do Ministério Público passa, portanto, por um melhor conhecimento dos problemas comunitários. E isto tem implicado numa necessidade cada vez mais premente de uma articulação entre o MP e a comunidade na busca por soluções.

Hoje em dia a representação democrático-formal que restringe a cidadania a uma feição meramente eleitoral8 amparada numa vaga noção de universalidade de direitos (Grin, 2008) apresenta-se francamente em crise (Mannheim, 1960:165; Mazzilli, 2001:127). Em seu lugar ou ao seu lado temos a participação cidadã e comunitária (responsável) na formulação e implementação das políticas públicas. E isso exige um novo sistema de accountability9 ou de prestação de contas que reforce a confiança social na eficiência das instituições públicas. São os novos modelos de governança participativa que afetam não apenas o círculo político estrito, mas instituições jurídicas com forte cariz político (a exemplo do Ministério Público10).

De fato, a democracia é o governo do poder público em público. E num Estado constitucional democrático, o caráter público é a regra, o segredo, a exceção, e mesmo assim é uma exceção que não deve fazer a regra valer menos (Bobbio, 1986, p. 84-86). Por sua própria natureza, o poder democrático deve ser exercido com o máximo de transparência, às claras, e com a participação e o consentimento consciente dos cidadãos (Strieder, 2004:179).

Uma instituição tem um caráter público apenas enquanto se acredita que a sua atividade própria seja pública. Sessões secretas, reuniões, acordos e decisões secretas podem ser muito significativas e importantes, mas não podem jamais ter um caráter público, democrático e responsivo.

No Amazonas, para não falar em todo o Brasil, a rendición de cuentas do Ministério Público ainda é muito deficiente e pouco democrática. Em sua Lei Orgânica (Lei n. 011/93) é prevista apenas a apresentação, pelo Procurador-Geral de Justiça, “no mês de março de cada ano, ao Poder Legislativo Estadual, em sessão especialmente convocada, relatório das atividades do Ministério Público, propondo as providências necessárias ao aperfeiçoamento da Instituição e da Administração da Justiça” (Art. 29, inc. XXXIX). E consta ainda a atribuição ao Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Administrativos de “coordenar a elaboração do Plano Anual de Atividades e o Relatório Anual” (art. 26, §2º. IX). Esses mecanismos (relatório e plano anual de atividades), na prática, não passam do cumprimento formal de determinação legal, sem o envolvimento da comunidade e sequer da maioria dos membros da instituição.

O processo de definição das prioridades institucionais não pode prescindir da participação da sociedade. Como órgão de representação, o Ministério Público deve consultá-la antes de estabelecer as metas prioritárias. Essas metas devem refletir aquilo que a sociedade quer e espera da atuação do Ministério Público. A accountability deve começar de baixo. Em cada comarca deve ser feito um diagnóstico sobre as questões que possam exigir a atuação do Ministério Público (criminalidade, segurança pública, meio ambiente, infância e juventude, consumidor etc.). Após a realização desse diagnóstico, deve ser convocada uma audiência pública (ou tantas quantas sejam necessárias) para a discussão dos problemas levantados (Goulart, 1999:329). O resultado das audiências públicas deve subsidiar o Programa de Atuação da Promotoria de Justiça respectiva. E todos os programas setoriais devem desaguar num Plano Geral de Atuação do Ministério Público. Aí sim, teríamos um pouco mais de accountability e legitimidade social11.

Os serviços prestados pelo Ministério Público se submetem aos parâmetros do art. 37, § 3º, II, da CF12, onde o usuário/cidadão tem direito à participação e às informações sobre a forma como os serviços são executados. Nesse sentido, existe proposta no Conselho Nacional do Ministério Público (proposta n. 444/2009-91, de autoria do Conselheiro Cláudio Barros) para criação, nas páginas eletrônicas dos diversos MP’s, de um portal, acessível à comunidade, que contenha todos os dados públicos, exceto os respaldados por sigilo legal, relativos à instituição. O chamado “Portal da Transparência” disponibilizará, entre outros itens, informações relativas a receitas e despesas; orçamento anual e repasses mensais; gastos com membros e servidores ativos e inativos; custo com diárias e cartões corporativos; convênios firmados; relação de contratos e licitações em andamento; e adequação à Lei de Responsabilidade Fiscal13.

A prestação de contas e o desempenho funcional eficiente são vetores que influenciam a capacidade do Ministério Público em obter legitimidade social junto à comunidade. A renovada legitimidade social do MP depende de sua capacidade em: I- garantir níveis de desempenho funcional equivalentes aos níveis de exigência social gerados; II- engendrar um processo de accountability de suas ações e atividades que valorize a interlocução participativa e democrática com a comunidade14.

A performance funcional do MP presta-se como um meio de ampliar a confiança na instituição e, principalmente, sua legitimação perante a sociedade. Performance funcional com resultados e legitimidade social são faces da mesma moeda e constituem um círculo virtuoso: quanto mais eficiência funcional maior a legitimidade, e quanto mais legitimidade maior o estímulo para aprimorar a função.

 

4- Criação de uma identidade funcional perante o Poder Judiciário

Se fizermos uma análise comparativa entre as diversas instituições públicas, veremos que o ponto em comum na consecução de uma identidade funcional e de um perfil próprio deve-se a uma defesa intransigente de suas atribuições e de seu proceder funcional. O Ministério Público se quiser consolidar sua identidade funcional, no sentido de não ser confundido indevidamente como mera peça acessória e instrumental no grandioso mister de distribuir justiça, deve adotar uma postura firme e intransigente na defesa de seus posicionamentos jurídicos.

Além disso, é cediço que o Judiciário brasileiro por conta da sua contínua confiança em um sistema legal antiquado baseado em demandas escritas (Sallas, 1998:45), num direito de inspiração liberal, mostra-se ainda incapaz de lidar efetivamente com os complexos problemas sociais da pós-modernidade. E, portanto, diante disso, não se afigura recomendável ao MP adotar as seguintes posturas: 1- repassar, sic et simpliciter, por mero espírito burocrático, demandas de cunho social ao Judiciário, sem antes tentar providências resolutivas ao seu alcance; 2- aceitar passiva e resignadamente as decisões judiciárias que contrariem o interesse que lhe cabe curar.

Sob o foco desse objetivo pode-se recorrer sistematicamente das decisões que, de alguma forma, colidam com a manifestação ministerial e, principalmente, contrariem o interesse defendido pela instituição. Claro que isso, de início, pode criar um certo mal-estar entre membros de duas instituições que, por dever de ofício, trabalham juntos: promotor e juiz. Mas, se levado a cabo esse esquema de forma objetiva, desapaixonada e impessoal, ao final, obtém-se dois resultados: 1- uma melhor prestação jurisdicional; 2- a consolidação de uma identidade funcional ao membro do Ministério Público. Com isso, certamente, reinará harmonia e cordialidade entre os dois agentes, delimitando-se o campo de atuação de cada um.

Pode parecer paradoxal a compatibilização de uma disposição institucional cooperativa (vide item 2 deste estudo) com a defesa intransigente de competências e atribuições através dos meios recursais disponibilizados pela processualística, mas “não se pode estabelecer um sistema de cooperação extremamente complexo entre as diferentes esferas de poder sem que haja uma clara distribuição de funções e, sobretudo, respeito às áreas privativas de competência” (Mello, 1978:63).

Ressalve-se, por necessário, que o recurso contra decisões judiciais que afrontem a manifestação do MP é uma forma de controle do arbítrio judicial, mesmo que não obtenha êxito em segunda instância. Obviamente, nem toda decisão contrária ao posicionamento ministerial desafia recurso, pois pode ocorrer que a fundamentação do decisum convença o agente ministerial da erronia de sua posição originária e que, no caso específico, se fez justiça. O importante é que toda decisão judicial enseje um juízo sucessivo do Ministério Público desembocando numa concordância tácita ou em imediato recurso.

Esse juízo sucessivo implica não apenas na consolidação do perfil demandista da instituição, mas também em uma forma de instigar o Judiciário, através de seus membros, a dar uma resposta mais eficiente às demandas sociais que estão por trás das ações do MP.

 

5- Dinamismo funcional

O Ministério Público foi moldado para a ação, para o combate, para a luta. A inércia, que é uma peculiaridade do Judiciário e uma de suas maiores qualidades (em respeito ao princípio da imparcialidade – pedra de toque de um sistema judiciário democrático), ao MP é um vício e um defeito. O dinamismo ou o poder ministerial de iniciativa não é apenas mais uma característica da instituição, mas uma garantia do sistema. Como o Estado não pode quedar-se inerte frente a determinadas situações que lhe cabe solver nem outorgar iniciativa à jurisdição, sob pena de comprometer sua imparcialidade, legitima outra instituição integrante de sua estrutura política (Ministério Público) para a tomada de iniciativas (Porto, 1998:26).

O ofício desempenhado pelo juiz representa uma força estática, apenas declaratória do direito e reveladora da justiça, já o Ministério Público representa uma força dinâmica, sempre em ação, que promove essa declaração de direito, essa revelação da justiça, pondo em andamento a máquina processual, investigando, fiscalizando, promovendo responsabilidades que podem atingir a quaisquer dos três poderes: executivo, judiciário ou legislativo (cf. art. 129, II, da CF/88). A noção do Ministério Público e de seus deveres conduz a essa conclusão, pois, enquanto o juiz aplica imparcialmente o Direito para compor a lide, ele atua ativamente e com dinamismo, a fim de resguardar e fazer prevalecer o interesse público (a moralidade, a probidade pública etc.) na entrega da prestação jurisdicional (Mesquita, 1993:27). Enfim, a sua ação tutelar se estende a todas as molas, a todos os escaninhos da máquina estatal, sempre como um órgão promovente, ativo, dinâmico.

Esse caráter dinâmico do MP contraposto à inércia jurisdicional responde pela harmonia do sistema. Se considerarmos que os interesses sociais e individuais indisponíveis exigem um plus protetivo, diante da inércia judicial ficariam, por vezes, órfãos de iniciativa. Com o fito de não comprometer a imparcialidade do Estado-Juiz e nem deixar ao desabrigo parcela dos direitos consagrados no ordenamento jurídico, foi conferida legitimidade ao Estado-Ministério Público para a tutela ativa ou interventiva de tais interesses (Porto, 1998:23).

Não foi por acaso que o constituinte originário traçou para o Ministério Público o nítido perfil de órgão agente, promotor de medidas, empregando nos quatro primeiros incisos do art. 129 da CF (que estabelece as funções institucionais) o verbo promover. Neste parâmetro, é fundamental que o membro ministerial tenha em mente que o Judiciário é a última, porém não a única via para a solução e prevenção de conflitos. As soluções podem e devem ser pensadas pelo Ministério Público num engajamento produtivo e intersetorial com a comunidade e outros órgãos públicos.

Se o promotor de justiça pecar por excesso de combatividade ou de dinamismo, nosso sistema jurídico possui mecanismos capazes de corrigi-lo e coibir seus efeitos. No entanto, quando o promotor deixa de agir quando deveria, o prejuízo social resultante dessa omissão muitas vezes é irreparável. Proporcional à magnitude de suas funções, emerge para o promotor o colosso de sua responsabilidade e a gravidade de sua inércia. Não pode fechar os olhos para os desafios que se colocam à sua frente (Júnior, 1997:102).

Ao membro do Ministério Público, em prol de seu dinamismo e de sua atuação combativa, indispensável a uma instituição resolutiva, algumas regras de comportamento podem se revelar adequadas15:

I- Não deve se sentir absolutamente certo de coisa alguma;

II- Não deve temer o raciocínio, pois com ele obterá êxito;

III- Quando encontrar oposição, mesmo de pessoas próximas, deve se esforçar por superá-la pela força dos argumentos e não pela autoridade, pois uma vitória que depende da autoridade é irreal e ilusória;

IV- Não deve temer ser excêntrico nas suas opiniões, pois toda e qualquer opinião hoje aceita já foi outrora excêntrica;

V- Deve encontrar mais prazer na divergência inteligente do que na concordância passiva, pois a inteligência devidamente guiada resultará em êxitos mais seguros e profundos;

 

6- A gestão de resultados numa cultura de inovação: Ministério Público resolutivo

Os membros do MP, até pela forma rigorosa de seleção a que se submetem para ingressar na instituição, detêm um invejável cabedal jurídico e cultural. Na função também passam a deter prerrogativas e dispor de mecanismos jurídicos aptos a serem utilizados para tentar mudar a realidade de sua comarca, para tentar criar coisas que façam a diferença e não apenas para executar um trabalho burocrático (apresentando-se à sociedade como um ramo especializado da burocracia). Assumem o supremo desafio de aplicar a lei em uma sociedade submetida a rápidas e constantes transformações16.

As necessidades sociais, os modos de vida, a organização das relações entre os homens evoluem e evoluirão sem cessar segundo o progresso das ciências e das técnicas17. Como diz o sociólogo alemão Leopold von Wiese (1932:41), a “eterna mudança das coisas só permite o surgimento de fenômenos circunstancialmente condicionados”, ou seja, que se submetem ao vai-e-vem histórico. Neste movimento dialético, tensões e conflitos são constantes. Iniciativas e ajustes, igualmente, surgem como necessários a cada estágio (Marchais, 1974:25). E é nesta etapa que a atuação do membro do MP pode ser muito útil à sociedade.

Instituições como o Ministério Público tendem a enfraquecer e estiolar-se quando fracassam em satisfazer os anseios de justiça e de liberdade dos homens. Assim, no dizer de Bertand Russell (1958:15-16), se se quiser o desenvolvimento de uma sociedade orgânica, é necessário que as nossas instituições sejam fundamentalmente transformadas de molde a representarem esse novo respeito pelo indivíduo e pelos seus direitos, exigido pelo sentimento moderno.

O direito, instrumento que é dado ao Ministério Público manusear, nasce da vida e à vida serve18. E a vida é um complexo homogêneo de funções: fisiológicas, psíquicas, sociais, assim como físico-químicas, que se defronta constantemente com novos problemas a exigir novas soluções. O direito, e por via de conseqüência, o Ministério Público, não pode, diante dessa realidade cambiante, ser apenas um instrumento de estabilização e de ordem. Assume, por imperiosa necessidade da vida, uma função revolucionária: mudar para preservar ou resgatar uma ordem justa.

O Direito guarda uma inocultável vocação pragmática, estando predisposto, como instrumento da sã racionalidade humana, a resolver e equacionar problemas. Não se fazem leis pelo prazer bizantino de fazê-las19, mas para montar esquemas práticos de proteção de interesses e anseios legítimos dos cidadãos.

Um sistema jurídico não é montado com o fim de ser apreciado em seus detalhes teóricos ou sutilezas estéticas, mas para lidar com questões práticas e funcionais, criar normas de regulação do convívio humano, propiciar a resolução justa de conflitos, garantir a adoção de medidas ordenadoras etc. O ethos do Direito é profundamente pragmático e utilitário.

Para evitar a terrível acusação de um jurista americano de que o “direito é apenas um mecanismo vazio, desprovido de conteúdo específico próprio e recebendo seu conteúdo das várias instituições não-jurídicas” (Hall, n/d, p. 111), o Ministério Público, como um dos principais aplicadores e intérpretes do Direito, assume a responsabilidade de pensar a ciência jurídica e seus mecanismos como alavancas de progresso social dentro de uma cultura de inovação e de contínuo reajuste. E para isso é preciso sair dos gabinetes e encontrar com o Direito nas ruas, deixando de ser apenas um feixe de competências a serviço do Estado (Foucault, 1979:09).

O Ministério Público de perfil antigo (ou clássico, como queiram) se caracteriza por simplesmente reagir aos fatos sociais, aguardando que os fatos se tornem patológicos, conflituosos, para serem submetidos ao crivo judicial. É uma postura institucional reativa (inercial, fragmentária) a negar parcela valiosa de atribuições extrajudiciais do MP e que, claramente, se inspira no antigo art. 1º. da Lei Complementar n. 40/81:

“O Ministério Público, instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, é responsável perante o Judiciário, pela defesa da ordem jurídica e dos interesses indisponíveis da sociedade, pela fiel observância da Constituição e das leis...”.

Esse entendimento responde por uma das patologias crônicas da hermenêutica constitucional no Brasil: a interpretação retrospectiva, pela qual se procura interpretar o texto novo de maneira a que ele não inove nada, mas, ao revés, fique tão parecido quanto possível com o antigo (Barroso, 1996, p. 396).

Essa mentalidade reativa conta com muitos defensores (Costa Machado, 1998:74) e ainda prevalece, embora não mais atenda às exigências da cidadania inclusiva no mundo globalizado. Além disso, o Ministério Público preponderantemente demandista, dependente do Judiciário, é um desastre, pois o Poder Judiciário continua a responder mal às demandas que envolvem os direitos massificados e os pleitos da cidadania (Goulart, 1998:120; Almeida/Parise, 2005:612; Sadek/Lima/Araújo, 2001:41).

O caráter reativo bem como a instrumentalização do MP na tarefa de apaziguamento social são teses insustentáveis na atual quadra histórica e atreladas ainda a uma interpretação nostálgica da ordem jurídica destronada com a CF/88. Que o Ministério Público é indispensável ao Judiciário, na realização do mister institucional deste (prestação da tutela jurisdicional), não há a menor dúvida (Rodrigues, 1999:128; Porto, 1998:17). Mas outras funções, tão ou mais importantes, são desenvolvidas extrajudicialmente, tanto que o próprio art. 127, da Constituição de 88 ao dizer que o MP é essencial à função jurisdicional do Estado, acrescenta-lhe a incumbência da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, aspectos mais abrangentes e igualmente relevantes da vida de um Estado, que não são necessariamente desenvolvidos perante o Judiciário.

Quando instaura inquérito civil, fiscaliza fundações, prisões e delegacias de polícia, promove audiências públicas para discutir problemas comunitários ou ainda quando estabelece compromissos de ajustamento, nota-se que o Ministério Público alarga e extrapola a órbita judicial, daí ter dito o legislador constituinte menos do que devia, na medida em que a instituição também é essencial em tarefas não jurisdicionais a si incumbidas (Porto, 1998:17).

A fatia de atribuições extrajudiciais (um rol sempre crescente) tem obrigado a instituição a adotar uma postura assumidamente pró-ativa e resolutiva, em que passa a concentrar seus recursos e esforços na busca de respostas preventivas para os problemas comunitários. Ao invés de reagir contra incidentes ou fatos consumados (que em boa parte das vezes não encontram uma solução adequada com a submissão judicial), o MP passa a trabalhar para a solução dos próprios problemas em conjunto com a comunidade20. Neste novo perfil institucional, o promotor de justiça, como dizia Nietzsche (2005:260), deve ser um homem antecipador, ou seja, deve se antecipar aos fatos, o que pressupõe uma nova atitude mental e uma renovada disposição para a ação.

O Ministério Público se debate entre dois tipos ideais de promotor: promotor de gabinete e promotor de fatos. O primeiro tipo pode ser definido como aquele que, embora utilize procedimentos extrajudiciais no exercício de suas funções, dá tanta ou mais relevância à proposição de medidas judiciais e ao exame e parecer dos processos judiciais dos quais está encarregado. Detalhe: o promotor de gabinete não usa os procedimentos extrajudiciais como meios de negociação, articulação e mobilização de organismos governamentais e não governamentais. O segundo tipo, o promotor de fatos, conquanto proponha medidas judiciais e realize atividades burocráticas ligadas à sua área, dá tanta ou mais importância ao uso de procedimentos extrajudiciais, mobilizando recursos da comunidade, acionando organismos governamentais e não governamentais e agindo como articulador político (Silva, 2001: 134-135).

Por fim, pode-se dizer que uma gestão da atividade-fim do Ministério Público para alcançar resultados (um Ministério Público de resultados) deve apresentar algumas características ou adotar certas medidas: I- uma nova cultura organizativa que realce a busca por resultados, pondo destaque na formação de agentes de iniciativa e de mente aberta que escutem com interesse ideias novas; II- introdução de um parâmetro analítico apto a rever o desempenho dos objetivos estratégicos e a forma de sua execução; III- inserção de uma nova mentalidade onde o promotor possa perceber que entre as atribuições constitucionais e a lei tem um significativo espaço para definir suas prioridades e criar métodos de trabalho (Silva, 2001, p. 127); IV- estabelecimento de um diálogo institucional interno entre os diversos órgãos (de execução e de administração) com o fim de otimizar a cooperação e os círculos de inovação. V- criação de um núcleo de estudos e pesquisas em eficiência funcional.

 

7- A necessidade de uma instituição ágil e flexível

Dentro de uma sociedade estática, conservadora ou fixa, uma instituição burocrática e pesada pode sobreviver e até se revelar indispensável, pois não existem alternativas, e se existem, o caminho que leva até elas inexiste. Numa sociedade sem mudanças, o presente escraviza-se à reprodução do passado, os problemas são sempre os mesmos e as soluções passam de geração para geração, sem modificações apreciáveis. O espaço para a especulação e crítica é limitado: a função do pensamento não é questionar, mas aceitar uma dada situação.

Num meio social dinâmico, entretanto, onde são criadas sem cessar novas tendências ou alternativas e em que as mudanças processam-se num ritmo alucinante, as instituições precisam ser flexíveis e eficientes, pois se permanecem imobilizadas na tradição estão fadadas ao colapso. As soluções de hoje podem se tornar os problemas de amanhã, exigindo-se das instituições públicas agilidade, flexibilidade e uma capacidade de adaptação às exigências modernas. E acima de tudo, espera-se que o foco institucional esteja voltado para eficiência e resultados.

Como diz C. Julien (1975:117), “toda instituição que se torna puramente defensiva num mundo em que as condições de existência, as técnicas de produção, as ideias recebidas e as inspirações dos povos se transformam rapidamente e são alteradas pelo próprio ritmo de uma vida diária que se recusa a ser reduzida a um simples ritual, acaba morrendo”.

Esse ambiente social cambiante requer um perfil diferenciado de Ministério Público, não mais meramente demandista ou parecerista, e sim dotado da capacidade de buscar resultados (estando aberto a inovações e aperfeiçoamentos) e de enfrentar, se necessário, o caudal dos interesses econômicos e políticos. E para nadar contra a corrente, como parece ser da natureza histórica da instituição, ela deve contar com bons nadadores, ágeis e resolutivos.

Num mundo em transformação, o homem precisa pensar não apenas nas coisas como elas são, mas também em como foram e como serão. Não há apenas o presente a considerar, mas um feixe infinito de possibilidades (Soros, 2007, p. 148) que se voltam para o futuro. Esse esquema aplica-se, mutatis mutandi, às instituições públicas, em especial ao Ministério Público, dadas as suas funções de marcado cunho social.

Historicamente, o Ministério Público adotou a política de “ocupar espaços” a todo transe, numa ampliação de suas atribuições como forma de firmar-se e fortalecer-se como Instituição (Rodrigues, 1999, p. 133; Sinhoretto, 2006, p. 173) 21. Além disso, o legislador infraconstitucional tem, a todo propósito, aberto novas formas de intervenção do MP, seja quando regula a proteção ao idoso, à criança e ao adolescente, ao portador de deficiência etc., seja no que se refere a questões fundiárias, parcelamento do solo urbano, usucapião, defesa de investidores no mercado financeiro etc.

Há, sem dúvida alguma, como fruto dessas posturas uma sobrecarga funcional dos membros do Ministério Público na área civil nem sempre compatível com a letra e o espírito da Constituição Federal. Por tal perspectiva não é difícil lobrigar a impossibilidade prática da instituição de se desincumbir de todas essas atribuições de forma, substancial e formalmente, adequada. E essas dificuldades funcionais têm rendido algumas críticas nem sempre justas. No dizer de Marchais (1974, p. 44) “sobrecarregam o burro e gritam com indignação quando ele tropeça”.

Atualmente, a preocupação sobre as atribuições do Ministério Público gira em torno da eficiência e da efetividade da intervenção do MP, especificamente, no processo cível. E para tanto, a solução que se apresenta, jurídica e tecnicamente adequada, é uma categoria dialeticamente paradoxal: a restrição/ampliação de suas atribuições. A restrição diz respeito às atribuições compatíveis com sua finalidade constitucional (“defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”). A ampliação liga-se à atuação, dentro destes limites finalísticos e constitucionais, de forma qualificada e com largos mecanismos disponíveis, dentro da máxima consagrada de que quem tem fins deve dispor de meios. Esse enxugamento de atribuições, sob o foco da Constituição, ajuda a tornar a instituição flexível e adaptada às potencialidades e exigências de uma nova época em que a busca por resultados e eficiência é o núcleo vital.

 

7.1- As contra-instituições

Acredita-se que as instituições são eternas, indispensáveis, racionais. E podem até ser, desde que estejam preparadas para mudar, aceitando novos encargos ou o expurgo de certas funções, de acordo com as exigências históricas e sociais. Ou seja, para não perecer e perder o rumo da história é necessário que a instituição seja flexível e capaz de mudar (estando disposta a abandonar noções tidas há muito tempo como imutáveis).

A regra, evidenciada pela história das perturbações sociais, é de que as instituições não estão garantidas para sempre. Em 1789 quem teria ousado pensar que a Igreja iria ser privada de sua potência temporal, que não regeria mais a totalidade da vida humana para o conjunto da sociedade? Dois anos mais tarde, a Igreja havia perdido uma hegemonia de mil e quinhentos anos (Lapassade/Lourau, 1972:156).

Dentre os fatores que ameaçam uma instituição como o Ministério Público destaca-se a ineficiência no desempenho de suas atribuições essenciais. Ao deixar um vazio no cumprimento funcional, a instituição abre espaço para que outros órgãos ou instituições, como verdadeiras contra-instituições (Lapassade/Lourau, 1972:154 ss.), apoderem-se dessas funções ou quebrem a exclusividade institucional.

 

8- Premiar o talento e o mérito: fórmula de fortalecimento institucional

Não há melhor maneira de convencer um agente público a não ser desidioso e inepto, senão recompensando-lhe o comportamento contrário, e não apenas punindo. A motivação, como possibilidade de influir institucionalmente nos desejos e nas aspirações das pessoas, desempenha um papel importante na qualificação contínua do agente do Ministério Público. Um Promotor de Justiça, por exemplo, tende a aperfeiçoar-se e zelar profundamente pelo seu trabalho se sabe a que objetivos serve. Evidentemente, não existe um desejo inato de aperfeiçoamento cultural ou de zelo funcional. Membros do Ministério Público ou de qualquer outra instituição não se transformam, repentinamente, em pessoas de mentalidade elevada e capaz de perseguir zelosamente o bem comum, simplesmente porque se lhes diga que têm de agir assim. Uma instituição motivadora, bem estruturada e dotada de mecanismos adequados faz surgir dito desejo. Desse modo, é imperioso existir no Ministério Público promotores e procuradores de justiça motivados e um sistema de recompensas motivador.

O reconhecimento do mérito, como critério para um prêmio social, além de uma clara concessão ao individualismo, também apresenta um alcance social inegável. A sociedade, principalmente a moderna em que os progressos técnicos e científicos exigem cada vez mais profissionais capazes, tem fundamental interesse de que seus membros, principalmente aqueles ocupantes de funções públicas estratégicas, sejam capazes, inteligentes e competentes. E por isso institui mecanismos de premiação destes méritos para estimular o aperfeiçoamento intelectual e profissional, de acordo com as rápidas modificações do mundo moderno, em que o indivíduo, muitas vezes, dorme sábio e acorda ignorante.

À medida que o homem se torna mais civilizado, reconhece B. Russell (2001:33), os incentivos baseados em expectativas vão se tornando preferíveis àqueles fundados no medo. É muito melhor que os homens sejam recompensados por trabalhar bem do que punidos por trabalhar mal.

Concedida a recompensa ao mérito, reconhecendo-o justamente, ganha o profissional, a instituição e a sociedade; concedida a recompensa a quem não fez por merecê-la, perde o favorecido (pelo esmorecimento das energias), perde o profissional com mérito (pela crise amotivacional – Mannheim, 1960:289), perde a instituição (por ficar sujeita a desenvolver vícios internos como o burocratismo e o corporativismo22) e perde a sociedade (pela ineficiência e improdutividade no serviço público). Diante de tão evidentes prejuízos, como ainda permitimos que o favorecimento ilegítimo, o jogo de interesses inconfessáveis, as maquinações de toda ordem, subvertam o princípio do merecimento?23

Um sistema justo de promoção e mobilidade na carreira, feito “a céu aberto e não às escondidas”, cria o indispensável ambiente de confiança, entusiasmo e cordialidade. Como disse um especialista americano em recursos humanos: “Você pode comprar o tempo de um homem; você pode comprar a presença física de um homem em determinado lugar; você pode igualmente comprar certa atividade muscular, pagando-a por hora ou por dia; mas você não pode comprar entusiasmo; você não pode comprar iniciativa; você não pode comprar lealdade; você não pode comprar devoção de corações, de espírito, de almas; essas virtudes você deve conquistá-las” (Weil, 1958:29).

Por qualquer ângulo que se observe, o reconhecimento do mérito é vantajoso. Mesmo aquele que é recusado em sua progressão funcional – por razões de justiça – não tem razões para desesperar. O aparente prejuízo é fruto tão-somente da falta de empenho e de aptidão, podendo ser revertido desde que o agente se disponha a trabalhar e se aperfeiçoar. O “prejuízo”, em princípio, desde que justo, é apenas a alavanca para estimular o agente a buscar novos horizontes intelectuais, inclusive com o estímulo da instituição. Faz parte de um todo que é bom, uma dissonância que é harmonia quando ouvida em relação ao restante da música. Ab aequitate vinci, pulchrum et bonum - ser vencido pela justiça é belo e bom, dita a máxima latina.

A vantagem e o prejuízo funcionam como mecanismos de higienização administrativa e, portanto, na medida justa, são fatores positivos e inevitáveis nos movimentos e contramovimentos da estrutura orgânica do serviço público. A primeira encoraja o agente público no trabalho e o segundo vem a ser um meio de corrigir o agente relapso no labor e na função. Quando, tanto a vantagem quanto o prejuízo, ocorrem sob a bandeira da injustiça, temos a multiplicação dos maus em vez da reprodução dos bons agentes públicos. A terrível frase - desprovida de valor moral - de que “os vencedores têm sempre razão” (equivalente a esta outra: “quem tem o poder, tem a razão”), qualquer que tenha sido o caminho que percorreram para vencer, não deve encontrar assento no banquete administrativo, salvo quando o êxito coincidir com a justiça.

Por outro lado, de que vale o mérito funcional, o aperfeiçoamento constante da atividade profissional, se não traz triunfo e recompensas na carreira? O efeito é comparável ao do soldado que, preparado e valente, não consegue vencer e dominar o inimigo. E mais aumenta a angústia quando vemos um arsenal de forças de progresso e desenvolvimento na figura de agentes públicos valorosos, do ponto de vista intelectual, ser desprezado e irracionalmente inaproveitado.

O aumento da produtividade, da qualidade e da eficiência no serviço público (e mais especificamente no Ministério Público), tal como ocorre no setor privado, depende da motivação do agente laboral, porque é o interesse do agente público pelo seu trabalho e sua função a única fonte segura de produtividade. Tire-se-lhe a motivação (através de mecanismos já bastante conhecidos) e teremos a preguiça, a desídia e o descaso.

Hoje em dia já não se questiona a validade da afirmação que considera os Recursos Humanos (capital humano) como fator determinante do êxito ou fracasso de um empreendimento, tanto no setor público quanto no setor privado. Todas as instituições, empresas, organizações administrativas ou se curvam a essa evidência geral, ou arcarão com o preço da ineficiência em suas atividades-fins. Neste xadrez social, o privilégio deixa de ser uma peça importante, na medida em que enfraquece a instituição no que há de mais sagrado nos tempos modernos: a eficiência.

Para que o membro do Ministério Público sinta-se estimulado a produzir com eficiência e ativamente, a instituição deve nutrir em seu íntimo uma série de certezas:

1- A certeza de que um trabalho eficiente e zeloso significa uma dinamicidade maior e mais facilitada na carreira;

2- Consideração e reconhecimento da capacidade (e do esforço);

3- Certeza de que, quando das movimentações na carreira, o agente melhor qualificado será escolhido para ocupar os melhores cargos;

4- Boas e equitativas possibilidades de promoção.

5- Relações de trabalho previsíveis.

A moeda de troca do merecimento, ao invés da give-and-take-policy, continua a ser o trabalho, o talento, a inteligência. É um conceito, senão juridicamente delimitado (ou aplicado), mas filosoficamente apurado, decantado e imodificável. A necessidade é de apenas migrar a certeza filosófica e moral para o maleável mundo da aplicação jurídica. Diante disso, o sistema de merecimento a ser estabelecido deve fixar meios de conversão desses valores subjetivos em dados aferidores objetivos24, assegurando, definitivamente, que a aquisição de vantagens funcionais pelo membro do Ministério Público passe a depender exclusivamente de seu braço, cérebro e fortaleza de vontade. Um sistema assentado em cérebro/mão. Nenhuma variável alheia ao esforço próprio e pessoal entraria no corpo da equação. Reduzir a valores objetivos, matemáticos, fiapos tão subjetivos, eis o desafio.

 

9- Conclusões

Uma sociedade em mutação requer um contínuo reajuste de suas instituições para atender eficientemente às novas demandas. O Ministério Público se insere nesse contexto como uma instituição vocacionada para defender os interesses, não mais do Estado ou de uma sociedade simplesmente, mas de uma complexa sociedade democrática. Dentro desses objetivos alguns desafios são postos e sintetizados nas conclusões seguintes:

I- A independência funcional como princípio constitucional de vital importância para a saúde institucional do Ministério Público não pode se converter em irracional atitude corporativa e isolacionista em relação ao contexto sóciopolítico em que os intercâmbios democráticos se estabelecem entre os diversos órgãos públicos; deve ter como política institucional a busca constante de uma coordenação entre os diversos órgãos públicos para viabilizar e otimizar sua atividade-fim. Neste propósito, assume uma espécie de corresponsabilidade pela saúde institucional e técnica de tais órgãos, obrigando-se a ser um dos principais combatentes do Estado (Município, Estado-membro e União), na tarefa de forçá-lo a manter ditos órgãos (principalmente aqueles indispensáveis ao bom desempenho das funções ministeriais) dentro de padrões mínimos de eficiência (conforme imposição dos arts. 37 e 129, II, da CF).

II- O processo de definição das prioridades institucionais não pode prescindir da participação da sociedade. O Ministério Público deve consultá-la antes de estabelecer as metas prioritárias. A accountability deve começar de baixo; cada comarca deve fazer um diagnóstico sobre as questões que possam exigir a atuação do Ministério Público. Elaborado o diagnóstico, a discussão dos problemas levantados deve ser feita em audiências públicas com a participação dos diversos setores da comunidade. O resultado desse trabalho articulado entre MP e comunidade deve subsidiar o Programa de Atuação da Promotoria de Justiça respectiva. E todos os programas setoriais devem subsidiar o Plano Geral de Atuação do Ministério Público.

III- A legitimidade social do MP depende de sua capacidade em: a)- garantir níveis de desempenho funcional equivalentes aos níveis de exigência social gerados; b)- engendrar um processo de accountability de suas ações e atividades que valorize a interlocução participativa e democrática com a comunidade. A eficiência funcional ou uma instituição de resultados é a força motriz para adquirir legitimidade social. E estas duas variáveis (eficiência-resultados + legitimidade), combinadas, perfazem um círculo virtuoso, em que quanto mais eficiência funcional maior a legitimidade, e quanto mais legitimidade maior o estímulo para aprimorar a instituição.

IV- O Ministério Público, como um dos principais aplicadores e intérpretes do Direito, assume a responsabilidade de pensar a ciência jurídica e seus mecanismos como alavancas de progresso social, a partir de uma cultura de inovação; sua missão é promover o interesse público e a justiça não apenas com os elementos estáticos concedidos pela letra fria da lei, mas enriquecê-los com a práxis institucional e as soluções que surgem da teorização dos problemas formulados a partir do contato com a comunidade.

V- Uma gestão da atividade-fim do Ministério Público para alcançar resultados (um Ministério Público de resultados ou Ministério Público resolutivo) deve apresentar algumas características ou adotar certas medidas: a)- uma nova cultura organizativa que realce a busca por resultados; b)- introdução de um parâmetro analítico apto a rever o desempenho dos objetivos estratégicos e a forma de sua execução; c)- inserção de uma nova mentalidade onde o promotor possa perceber que entre as atribuições constitucionais e a lei tem um significativo espaço para definir suas prioridades e criar novos métodos de trabalho; d)- estabelecimento de um diálogo institucional interno entre os diversos órgãos (de execução e de administração) com o fim de otimizar a cooperação e os círculos de inovação; e)- criação de um núcleo de estudos e pesquisas em eficiência funcional.

VI- Para que o membro do Ministério Público sinta-se estimulado a produzir com eficiência e ativamente, a instituição deve nutrir em seu íntimo uma série de convicções, sobressaindo-se a certeza de que, quando das movimentações na carreira, o agente melhor qualificado e autor de um trabalho eficiente e zeloso será escolhido para ocupar os melhores cargos. Neste aspecto, a instituição do Ministério Público deve assumir definitivamente um perfil motivador.

 

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Promotor de Justiça. Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra. Autor dos livros: “O Ministério Público e um novo modelo de Estado”, Manaus:Valer, 1999; “Tóxicos...”, Campinas:Bookseller, 2001; “O perfil moral e intelectual do juiz brasileiro”, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2007; “Segurança pública e comunidade: alternativas à crise”, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2009.

1 Os indivíduos são a matéria, enquanto a ordem orientada e fundada na instituição é a sua forma (Vigo, 2010, p. 195).

2 A influência do inquérito policial junto à ação penal é notória no direito brasileiro, sendo um erro de fato afirmar que ele não é empregado ao longo da fase judicial, inclusive como razão de decidir (Choukr, 2004:38). Claus Roxin (2000:57) chegou a afirmar à guisa de realçar a importância da polícia que a promotoria sem a polícia é “uma cabeça sem mãos”.

3 Vide também Behrens, 1999, pp. 383-403.

4 Sobre os aludidos princípios e o alcance conceitual vide Nogueira, 1992, p. 81; Sauwen Filho, 1999, pp. 209-210; Donizetti, 2009, p. 152.

5 Diante desses princípios, talvez não seja correto dizer que entre a instituição do MP e seus membros estabeleça-se uma relação metassociológica de todo e parte. Essas equações tendem a se confundirem.

6 Agindo conjuntamente sobre o mesmo objeto (defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis), os membros do MP coordenam as suas condutas e a conduta total passa a possuir uma unidade análoga à de um grupo de músculos num movimento coordenado (Siches, 1968, p. 427).

7 Thoreau, o curioso naturalista/filósofo americano, de modo perspicaz achava que as reformas materiais de nossas instituições não se realizariam sem que houvesse, preliminarmente, uma reforma interior do indivíduo e que, se esta última se realizasse, a primeira passaria a ser supérflua (Dreiser, s/d, p. 169).

8 Como diz Melo (2007:16): nos governos representativos modernos, o momento estruturante do contrato entre cidadãos e representantes consiste nas eleições.

9 Termo de origem anglo-saxônica, sem uma tradução precisa em português, mas que remete à ideia de prestação de contas ou responsabilização de uma instituição, organização ou órgão perante instâncias de controle. A accountability pode ser legal, administrativa, política e social (ou conforme outras classificações: vertical, horizontal e societal).

10 O MP é um ator político singular: situado na esfera jurídica, tem a função de proteger interesses de grupos e segmentos da sociedade (Silva, 2001, p. 128).

11 Sempre há espaço para mais democracia (Dahl, 1998:137).

12 “A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII” (art. 37, § 3º, II, CF).

13 Conselho Nacional do Ministério Público, disponível em:  http://www.cnmp.gov.br/noticias. Acesso em: 23.05.2009. A página eletrônica do MP Amazonense contém algo semelhante, embora embrionário: http://www.mp.am.gov.br/transparencia.

14 Atualmente, que tipo de responsabilização social (social accountability) tem o MP pelo mau desempenho de suas funções? Que mecanismos detém a comunidade para sancionar ou recompensar o exercício funcional do MP?

15 Aqui fazemos uso dos ensinamentos do filósofo inglês Bertrand RUSSELL (1972, pp. 71-72).

16 Sociedade a que Hermann Heller (1968:235) apropriadamente designa de “sociedade de mutação”.

17 Devido ao progresso do pensamento e do conhecimento e ao aumento do domínio sobre as forças do mundo físico, passaram a existir novas possibilidades de crescimento, dando origem a novas exigências que devem ser satisfeitas, se não se quiser frustrar aqueles que as manifestam (Russell, 1958, p. 13).

18 Não sem razão Carlos Maximiliano, citando João Cruet, diz: “A jurisprudência é um perpétuo comentário, que se afasta dos textos ainda mais porque é, malgrado seu, atraída pela vida” (s/d, p. 69).

19 Diz textualmente Sieyès (1988:04-05): “Não se fazem leis pelo prazer de fazê-las…O legislador é estabelecido não para conceder senão para proteger nossos direitos”. O direito deve ser entendido como uma regulação predominantemente útil (Zippelius, 1997:31; Ferrara, 1987:130).

20 Os mecanismos para isso existem às mancheias, e sempre surgem novos, engendrados por uma saudável cultura de inovação que se dissemina entre os membros do Ministério Público.

21 O Ministério Público por muitos anos procurou atribuições, sendo generoso o legislador, sempre se lembrando da instituição quando não tinha para quem destinar as atribuições. Os tempos mudaram e o Ministério Público precisa abdicar de atribuições que não digam respeito ao seu novo perfil constitucional. É preciso conscientização de novos tempos e coragem de deixar de lado atribuições dispensáveis, de interesse individual e de pouca ou nenhuma repercussão social (Santin, 1999, p. 141).

22 A propósito diz com propriedade Camargo Ferraz (1999, p. 465): “Uma instituição pública está permanentemente submetida a riscos que poderiam ser chamados ‘internos’ ou ‘intrínsecos’: o corporativismo (perda de foco em relação às finalidades institucionais) e o burocratismo (com as facetas do formalismo e da acomodação) são talvez os mais sérios e sua gênese está ainda na débil cobrança social, na pesada estrutura de carreira e na inexistência de mecanismos formais de estímulo e recompensa aos profissionais que a integram”.

23 A injustiça não pode perpetuar-se sem dano fundamental tanto àqueles que a mantêm, como aos que a suportam. Não será num panorama como esse que se poderá nutrir a fé nas instituições públicas, nos agentes públicos e no serviço que prestam à sociedade.

24 Como entende o STF em decisão recente: “Há de fazer-se considerado o perfil profissional dos candidatos, aferindo-se o merecimento de cada qual” (MS 26.264, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 21-5-07, DJ de 5-10-07). A respeito da montagem de um sistema de aferição objetiva de merecimento vide João Gaspar Rodrigues, “Critérios objetivos/objetivantes para a aferição justa de merecimento”, Revista Jurídica do Ministério Público do Amazonas, vol. 5, 2004, pp. 193-242.